Breves
Sobre a deputada que ameaça com violação em grupo uma activista
Em nota pública, um grupo de organizações de luta pelos direitos humanos repudia a posição da deputada Alice Tomás que incita à violência contra Fátima Mimbire como forma de calar a sua voz crítica e incómoda. Por ser a todos os títulos inaceitável a posição da deputada, as organizações subscritoras exigem tomada de posições e as acções penais que cabem na lei. Veja a seguir o comunicado na íntegra.
NOTA DE REPÚDIO
Deputada ameaça com violação em grupo a activista por exercer seu direito de cidadania
Nós, organizações de luta pelos direitos humanos abaixo assinadas, incrédulas e indignadas com os actos de incitamento à violência protagonizados pela deputada Alice Tomás através da sua conta nas redes sociais, repudiamos de forma veemente os ataques e atentado proferidos contra a activista político-social Fátima Mimbire.
É nossa posição que estes pronunciamentos colocam em causa o exercício do direito de pensar diferente e à crítica social, o qual confere a todo/a o/a cidadã(o) a prerrogativa de não concordar com os pronunciamentos de outrem, desde que exercido de forma tolerante, civilizada e directa, no mesmo plano em que essa opinião se expressa.
Não estranhamos que a Fátima Mimbire seja alvo de ataques deste género, pois, com coragem, frontalidade e seriedade tem dignificado a opinião pública dando provas de verticalidade e estudo, na medida em que apresenta fontes para os dossiers que aborda.
Ora, através do Facebook, há três pessoas que discutem o posicionamento de Fátima Mimbire, recorrendo a uma linguagem grosseira e boçal e, expressando de forma directa a mais pura misoginia. O facto de duas dessas pessoas serem do sexo feminino, não torna o acto menos misógino, isto é, de demonstração de ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres ou meninas, ou contra o que é feminino.
Porquê? Porque a discordância não se expressa no plano das opiniões, mas atacando a qualidade de quem se expressa. É dito e, passamos a reproduzir:
Por Alice Tomás:
“Aquela precisa ser violada com 10 homens fortes cheios de energia? E depois lhe deixar ir embora. Porque aquela boca só tira palavras venenosas para o Povo moçambicano”.
Ainda por Alice Tomás:
“Tirando o ponto de interrogação”.
Por Yola Bernardo:
“kkkkkkkkk”.
Ainda por Yola Bernardo:
“Realmente ela deve ser bastante carente kkkkkkkkkkkk”.
Por Juvenal Gabriel Maposse:
“Não, ela precisa de um homem que tem que le dar bem e depois le regar na cara e depois lhe enfiar no rabo”. (sic.)
Então, sendo a Fátima mulher, e uma mulher que sai de casa e se aventura por territórios que, na opinião dos visados, não deveriam ser os seus, deve com certeza ter “falta de homem”. Assume-se então o papel redentor do controlo masculino e o sexo aqui aparece como a forma mais importante neste processo. O sexo não tem só um papel de redenção, mas serve de castigo, um castigo feito à medida das mulheres que ousam, das mulheres “atrevidas”, das mulheres livres e sem controlo. Tudo isto, como se pode ver pela transcrição acima, é invocado como meio de “castigar” a Fátima Mimbire pelo pecado de expressar a sua opinião e não pedir licença a ninguém para o fazer.
Mas ainda, na visão dos perpetradores desta violência, dentre os quais uma mandatária do povo, criticar a política oficial equipara-se a “tirar palavras venenosas contra o Povo moçambicano”. É grave! É muito grave. Essa ideia é contrária à democracia e estas posições exprimem uma enorme intolerância política e um desprezo inqualificável contra os princípios e valores democráticos consagrados na Constituição do país.
Ao atacar de forma infame o “direito a manifestação de opinião”, os impropérios proferidos por aquela que devia ser uma das “paladinas das liberdades” traduzem-se em actos suscetíveis de censura jurídico-penal. Ao reagir na rede social “Facebook” à opinião de outrem com um post eivado de intolerância, fomenta ou estimula o cometimento de um crime (no caso de violência, previsto e punido no artigo 218 do Código Penal) e, nessa medida, pratica a autora de tais palavras um crime de “instigação pública com uso de meios informáticos” previsto e punível no art. 323 do Código Penal.
A este conjuga-se o art. 27 da Lei nº 3/2017, de 9 de Janeiro, sobre as Transacções Electrónicas que estabelece que “nas relações entre remetente e destinatário de uma mensagem electrónica não se nega a validade ou eficácia a uma declaração de vontade ou de outra declaração pelo facto da sua declaração ter sido feita por uma mensagem electrónica”, ao que se complementa o disposto no nº 2 do art. 28 da mesma lei que estabelece que “na relação entre remetente e o destinatário, uma mensagem electrónica considera-se proveniente do remetente se ela foi enviada por (…); b) um sistema de informação programado por ou em nome do remetente para operar automaticamente”.
Constitui agravante o facto de uma das perpetradoras desta violência ser Deputada, em flagrante violação do art. 21 do Estatuto dos Deputados, o qual estabelece enquanto deveres, dentre muitos, “(…); d) fomentar a cultura da paz, da democracia, de reconciliação nacional e de respeito pelos direitos humanos; f) contribuir para o aumento da eficácia e do prestígio da Assembleia da República; h) ter conduta que se coadune com a dignidade de Deputado; e i) tratar com respeito e deferência (…) os cidadãos com os quais mantenha contacto no exercício das suas funções”.
Não menos importante, é que o crime em causa é de natureza pública, pelo que se impõe e se exorta que o Ministério Público, de imediato, deflagre o competente procedimento criminal para apuramento e responsabilização dos três perpetradores, ao não ser que se opte, uma vez mais, por aguardar pelo desfecho que teve o Professor Gilles Cistac.
Exigimos que se responsabilize esta deputada por representar um atentado ao exercício da liberdade de expressão e do direito ao pensar diferente. Alice Tomás não representa os interesses das moçambicanas e dos moçambicanos. E porque se trata de alguém a quem era exigível outro tipo de conduta, em virtude da condição de deputada, mais condenatório é tal comportamento.
Assim, repudiamos de forma veemente este tipo de comportamento. Não podemos continuar a aceitar que as e os cidadãs/cidadãos estejam a ser cada mais cerceados dos seus direitos. Perante o silêncio e a indiferença, é um dever de cidadania de todas e todos que lutam pelos direitos humanos.
Alice Tomás não nos representa!
Assinam:
- ASCHA – Associação Sócio-Cultural Horizonte Azul
- Amudeia – Associação das Mulheres Desfavorecidas na Indústria Açucareira
- Amora – Associacao Moçambicana para a Promoção da Rapariga
- Associação Hixikanwe
- AMMCJ- Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Juridica
- AMR – Associação das Mulheres Rurais
- Black Khakhela – Abrace suas Raízes
- CIP – Centro de Integridade Pública
- CESC – Centro de Aprendizagem e Capacitação da Sociedade Civil
- Fórum Mulher – Coordenação para Mulher no Desenvolvimento
- Forcom – Fórum das Rádios Comunitárias
- FDC – Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade
- KUTENGA
- Luarte – Arte, Cidadania e transformação social
- Lemusica – Levante-se Mulher e Siga seu Caminho
- Muleide – Mulher Lei e Desenvolvimento
- Movfemme – Movimento das Jovens Feministas de Moçambique
- Mundo de Mulheres
- Marcha Mundial das Mulheres
- Nweti – Comunicação para Saúde
- Nafes – Núcleo das Associações Genuínas de Sofala
- Nafeza- Núcleo das Associações Femininas da Zambézia
- Olho do Cidadão – Projecto Txeka
- Parlamento Juvenil
- ROSC-Fórum da Sociedade Civil para os Direitos da Criança
- WLSA Moçambique – Mulher e Lei na África Austral
Maputo, 13 de Maio de 2019
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