Breves
Qualidades de uma grande mulher
O sonho de muitos homens
Uma carta de leitor no jornal Notícias descreve o que continua a ser “a mulher ideal” para muitos homens: trabalhadora abnegada que “transmite amor” e “não se envolve em discussões”.
Folheando os meus velhos recortes de jornal, encontrei no Notícias, uma carta de Mateus Licusse, intitulada “Qualidades de uma grande mulher”, publicada a 27 de Julho de 2010. Basicamente o que este leitor faz é um elogio à mulher que distribui amor e tem a sua existência virada para os outros, que se entrega e que “perdoa”. Vejamos um dos mais significativos extractos:
“Uma grande mulher transmite amor aos seus filhos, aos desesperados, aos sofredores, aos amigos e à sociedade; ela luta pela causa da nação, usando a coragem, fé, força da alma e do espírito, aceita receber o marido mesmo que ele volte de madrugada à casa, não se envolve em discussões, tenta ficar forte e consegue! Mesmo magoada, ela fica firme e simples como se nada tivesse acontecido, porque o amor é mais forte”.
O resto da carta tem praticamente o mesmo teor: insiste-se que a mulher ideal deve trabalhar muito (“nos tempos livres cuida da sua família e da sua imagem”) sempre ao serviço dos outros (marido, filhos, família, sociedade e nação), nunca exigindo nada para ela própria, sendo a sua gratificação saber que faz felizes os que a rodeiam.
Ora o que este leitor nos apresenta aqui é o “sonho dourado” de muitos homens ou de muitos patrões nas suas empresas: ter quem trabalhe para eles e nunca levante problemas, discuta ou exija direitos. Faz parte, aliás, da ideologia em que as meninas são educadas e que inculca nelas a ideia de que a felicidade suprema lhes vem de ver/fazer os outros felizes, a começar pelo marido e filhos. Daí a insistência nas mulheres como esposas e mães e nunca como cidadãs de pleno direito. Daí também a ideia de que uma mulher sozinha, que não se casa ou que não tem filhos, não está a cumprir o seu destino e é um pouco menos mulher do que as outras.
Uma democracia constrói-se com mulheres e homens conscientes dos seus direitos, que convivam no respeito do outro. Esta carta, parecendo estar a tecer os mais rasgados elogios às mulheres, nada mais faz, afinal, do que chamá-las à ordem e lembrar-lhes os seus deveres e os papéis fundacionais das feminilidades e masculinidades hegemónicas.
Eu desde já afirmo categórica e contundentemente que não quero ser essa mulher ideal. Prefiro ser qualificada de qualquer outra maneira, mas não abdico dos meus direitos de cidadã. E você o que decide?
Maria José Arthur
publicado em “Outras Vozes” nº 31/32, Agosto-Novembro 2010
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Antes de tudo: mulher é um ser vivo, pensante, que contribui para a manutenção da espécie de muitas formas, não apenas com trabalho manual. Portanto necessita ser melhor tratada como pessoa, com direitos, não apenas deveres.
Uma grande mulher, antes de amar aos demais, precisa amar-se a si mesma, como pessoa com dignidade, direitos, (inclusive o direito de não aceitar ser massacrada, pisoteada para “merecer” estar ao lado de um homem, que sequer a amará, se ela própria não souber amar-se), deveres e obrigações, ela terá como qualquer ser humano.
Não é possível distribuir amor de verdade aos demais, sejam familiares ou não, quando não se ama a si própria. A mulher que se anula em favor dos outros, não é uma grande mulher, pode, no mínimo ser uma pessoa equivocada, que não se considera merecedora do espaço que ocupa no mundo, nem do amor e compreensão dos demais.
A mulher que se anula, não terá condições de contribuir construtivamente para os que estão ao seu redor, para a nação, para o mundo.
Evidentemente, não é brigando nem se anulando que alguém tornar o mundo melhor. Necessário se faz, que os homens compreendam o papel da mulher, seja ela grande ou pequena. Desempenhará um papel no lar, outro na política e na sociedade, mas sempre lhe agregando valor. Ela não tem que “pagar” para merecer consideração. Deve ser meiga e amorosa, sem ter que assim agir por obrigação, para merecer estar ao lado de um homem, ou ocupar um lugar no mundo e ser amada.
Amor é um estado de espiŕito, e uma estrada de dupla mão, por onde trafegam homens e mulheres. Não convém ao homem, na era de mundialização, submeter-se a um papel tão mesquinho, como o de esperar apenas recebê-lo sem oferecer nada em retribuição. Esta mentalidade de se exigir sem retribuir, necessita ser reciclada por modalidade de vida mais contributiva, não apenas ao ser humano, como para o mundo em constante transformação.
Significa que, é mister reciclar-se velhos costumes, aderindo à novas maneiras de viver, onde a mulher não perde sua identidade como pessoa, nem a capacidade de lutar por seus direitos. Ela tem o direito à dignidade e respeito como pessoa. Não é saudável manter-se apegado a velhos hábitos que maltratem os demais, principalmente quando estes demais, são mulheres. Reciclar o modo de pensar, de viver é preciso, se queremos desfrutar de uma sociedade mais justa e igualitária, como o desejava o grande estadista Machel.
Ofereço-lhes a possibilidade de lerem mais sobre isto na minha página na Internet:
nana caperuccita-textos.
Obrigada,
nana.
adorei esse site que encontrei