Breves
Oportunidade para debater a reforma do Código Penal
A Assembleia da República está a preparar uma revisão do Código Penal. A Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade organiza uma série de encontros nas capitais provinciais nas próximas semanas. Esta é uma oportunidade para as organizações da sociedade civil que actuam na área dos direitos humanos debaterem a proposta. Aqui apresentam-se alguns comentários a luz dos direitos humanos das mulheres e das crianças.
Debate na Assembleia da República sobre a revisão/reforma do Código Penal (CP)
A Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, da Assembleia da República anunciou esta semana o programa para as Primeiras Jornadas Parlamentares Temáticas 2012, que decorrerão entre 1 a 9 de Agosto, em todas as capitais provinciais.
Estas jornadas têm por objectivo “auscultar e colher subsídios sobre a intervenção mínima do direito penal na vida do cidadão, onde a liberdade deve ser a regra e a prisão a excepção, por forma a humanizar cada vez mais o direito penal.
Este é a programação prevista:
PRIMEIRAS JORNADAS PARLAMENTARES TEMÁTICAS DE 2012
REVISÃO/REFORMA DO CÓDIGO PENAL
Província | Data | Local | Hora |
---|---|---|---|
Cidade de Pemba | 02.08.2012 | Universidade Católica de Moçambique | 7:30 |
Cidade de Lichinga | 02.08.2012 | Hotel Chiwindi | 7:30 |
Cidade de Nampula | 09.08.2012 | Copa Cabana | 7:30 |
Cidade de Tete | 01.08.2012 | Zambeze Paraíso Misterioso | 7:30 |
Cidade de Chimoio | 03.08.2012 | Sport Club | 7:30 |
Cidade de Quelimane | 02.08.2012 | Milénio Hotel | 7:30 |
Cidade da Beira | 01.08.2012 | Hotel Moçambique | 7:30 |
Cidade de Inhambane | 02.08.2012 | Assembleia Provincial | 7:30 |
Cidade de Xai-Xai | 03.08.2012 | Kapulana | 7:30 |
Cidade da Matola | 02.08.2012 | IFP | 7:30 |
Cidade de Maputo | 03.08.2012 | Assembleia da República – Sala BPF | 7:30 |
Alguns dados sobre o processo de Revisão do Código Penal
A Subcomissão de Reforma Legal para o Código Penal foi criada em 1998.
Em 2007 apresentou uma proposta pública, foram feitas observações, mas não se avançou e também nada mais foi dito.
A 2 de Julho de 2011, sem consulta, pelo menos com organizações da sociedade civil que actuam na área dos direitos humanos, a UTREL (Unidade Técnica de Reforma Legal) entregou à Assembleia da República (AR) uma proposta designada: “Código Penal Revisto e Renumerado”.
A 1 de Julho de 2012, o Presidente da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, da AR, assina uma nota que introduz uma nova versão do CP, designada “Projecto de Revisão do Código Penal”.
Os comentários que se seguem têm por base esta última versão do CP.
Alguns comentários sobre o Cap. IV – Crimes contra a honestidade
Embora havendo muitas secções e artigos problemáticos, cingimo-nos aos crimes que afectam as mulheres e as crianças, nomeadamente o Título III – Crimes contra as pessoas. Este título comporta os seguintes capítulos:
Cap. I – Crimes contra a liberdade das pessoas
Cap. II – Crimes contra o estado das pessoas
Cap. III – Crimes contra a segurança das pessoas
Cap. IV – Crimes contra a honestidade
Cap. V – Crimes contra a honra
O “Cap. IV – Crimes contra a honestidade”, trata dos crimes sexuais , como a violação sexual, a violação sexual de menores, o assédio sexual e outros. A vítima destes crimes crimes é normalmente uma mulher. Daí que, chamar de “crimes contra a honestidade” é considerar, p.e., que uma violação acaba com a honestidade de uma mulher. Ou então, usando a linguagem e os conceitos próprios do séc XIX, que é quando o Código Penal foi originalmente elaborado, uma mulher violada está “desonrada”. Esta designação é totalmente inadmissível e incompreensível no presente contexto do Moçambique do séc. XXI.
Um dos argumentos usados para explicar a “apressada” revisão do Código Penal que mantém muitos dos pressupostos do CP original, é de que se tratava sobretudo de fazer aprovar os dispositivos legais de luta contra a corrupção e pela transparência. Entretanto, no documento de 1 de Julho de 2012, da Assembleia da República, pode ler-se nos “Fundamentos”:
“Esta proposta de revisão pretende ser de fundo, contrariamente a outras que ao longo dos mais de cento e vinte anos da vigência do Código (…)”.
No entanto, uma leitura mais atenta mostra que no essencial o CP mantém os mesmo fundamentos moralistas e ideológicos não mais compatíveis com os princípios e valores subscritos pelo país na actualidade.
Vejamos alguns exemplos:
Artigo a rever | O que é que se propõe | Justificativa |
---|---|---|
Art. 402 – Estupro Aquele que, por meio de sedução, estuprar mulher virgem, maior de doze anos e menor de dezasseis anos, terá pena de prisão maior de dois a oito anos. |
– Retirar qualquer menção ao estado de virgindade da vítima. – Não se referir a pessoas do sexo feminino de 12 a 16 anos como “mulher”, quando pela Convenção dos Direitos da Criança, ratificada por Moçambique, e pela a Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança (Lei nº 7/2008), a definição de criança é de indivíduo até aos 18 anos. |
O Estado não pode usar critérios moralistas para prestar justiça aos seus cidadãos ou cidadãs. Neste caso, é inadmissível a discriminação entre raparigas virgens e não virgens, como se umas devessem ser protegidas e outras não. |
Art. 403 – Violação Aquele que tiver cópula ilícita com qualquer mulher, contra a sua vontade, por meio de violência física, de veemente intimidação, ou de qualquer fraude, que não constitua sedução, ou achando-se a mulher privada do uso da razão, ou dos sentidos, comete o crime de violação, e terá a pena de prisão maior de dois a oito anos. |
Retirar a palavra “ilícIta”. Ao manter-se como está, exclui-se da definição de violação situações de violência sexual que ocorram no âmbito do casamento, pois essas serão “cópula lícita”. Incluir na definição de cópula actos sexuais não só vaginais, como anais e orais. (esta proposta vale para todos os crimes sexuais e não o tratado neste artigo 403) |
Este artigo retira às mulheres casadas um dos direitos fundamentais, que são supostos serem inalienáveis e inerentes à pessoa humana: o direito à sua integridade física e a controlar o seu próprio corpo. Este artigo contraria o disposto em relação à igualdade de direitos entre mulheres na Constituição e em instrumentos internacionais ratificados por Moçambique, como a Convenção Para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (conhecido por CEDAW, segundo a sigla da sua designação em inglês). Por outro lado, a estreita definição de violação, deixa de lado formas muito comuns de violência sexual como as relacões sexuais forçadas via anal ou oral. |
Art. 404 – Violação de menor de 12 anos Aquele que violar menor de 12 anos, posto que não se prove nenhuma das circunstâncias declaradas no artigo antecedente, será condenado a pena de prisão maior de oito a doze anos. |
De acordo com a definição de criança subscrita pelas nossas leis, o menor é aquele que tem até dezoito anos. Este artigo deve tratar de violação de menor de 18 anos. Incluir na definição de cópula actos sexuais não só vaginais, como anais e orais. |
Tal como está, este artigo deixa de lado situações cada vez mais frequentes, de violação sexual de menores do sexo masculino, ou outras situações de violência sexual em que o acto sexual ocorre via anal ou vaginal. Nestes casos, só se pode classificar o crime como “atentado ao pudor”, cuja moldura penal é muito pequena para tão grande ofensa. |
Art. 413 – Efeitos do casamento nos crimes de estupro e violação 1. No casos de estupro de violação, o casamento porá termo à acusação da parte ofendida e à prisão preventiva do agente, prosseguindo a acção pública, à revelia, até julgamento final. 2. Havendo condenação, a pena ficará simplesmente suspensa e só caducará se, decorridos cinco anos após o casamento, não houver divórcio ou separação judicial por factos somente imputáveis ao marido, porque, havendo-os, o réu cumprirá a pena. 3. (…) |
Propõe-se a completa eliminação deste artigo. |
O que está implícito neste artigo é que o mais importante é “salvar a honra” da família, através do casamento. Ou seja, mostra que aquilo que se protege não é a integridade física da vítima e a sua dignidade, mas a “honra da família”. Por este motivo e no presente contexto, este artigo é infame e degradante para as meninas e mulheres. Impõe à vítima uma nova agressão, desta feita a de se casar com o seu violador. Este artigo é um insulto já presente no CP antigo, agora novamente legitimado,se vier a ver aprovado. |
Considerações finais
É necessário aproveitar a oportunidade criada para debater esta proposta de Código Penal. As organizações da sociedade civil que actuam na área dos direitos humanos devem mobilizar-se para participar nos encontros com a Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, da Assembleia da República, nas suas respectivas províncias.
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