O que é uma opção se não se pode escolher?
Sofie Sjöstrand
(Afrikagrupperna)
“A questão não é apenas descriminalizar o aborto e garantir que o acesso aos métodos contraceptivos seja um direito. Uma lei é só um pedaço de papel, desde que não possa ser usado.” – Gabriel de Barros, AMODEFA.
Você tem o direito de decidir sobre o seu próprio corpo. Você tem o direito de decidir se quer engravidar. Você tem o direito de decidir se quer continuar a sua gravidez. Você tem o direito. Você pode escolher. Mas se não houver preservativos ou outros contraceptivos? Se não houver nenhuma clínica no seu bairro, aldeia ou cidade? E se eles não estão preparados para efectuar um aborto ou até mesmo saber se é legal ou não? Você ainda tem uma opção? Ainda é uma opção se não pode escolher?
O novo Código Penal é um passo importante no que diz respeito à igualdade e justiça no país. Graças à luta da sociedade civil, muitas leis obsoletas e discriminatórias têm sido removidas ou reformuladas. Se olharmos apenas para o aspecto legal, muito foi conquistado. Os problemas surgem na aplicação da lei na prática. Este é o argumento de AMODEFA, parceiro de Afrikagrupperna, que trabalha as questões de saúde sexual e reprodutiva.
Moçambique tem leis de aborto relativamente liberais. Isto já era o caso, mesmo antes do novo Código Penal ter sido aprovado. O maior problema é que não pode ser utilizado. Gabriel de Barros, director executivo da AMODEFA afirma: “A lei que temos está longe de ser perfeita, e é importante que continuemos a trabalhar nela. Mas hoje, não existe oportunidades de dar aproveito aos direitos que estão lá. Estamos a falar de distâncias enormes para as clínicas, falta de recursos e falta de pessoal com conhecimentos na área do aborto”. Por isso, o número de abortos inseguros são altos e não é ajudado pelo facto de muitas mulheres não saberem que, em muitos casos, o aborto legal é uma opção. “Muitas vezes recebemos pacientes nas nossas clínicas que inseriram objectos ou tomaram remédios tradicionais para interromper a gravidez. Elas não sabem que há opções antes de tomar estas decisões”, aponta o Dr. Marcelo Rufino Kantu.
Isto faz tudo parte de um padrão, explica de Barros. “O nosso país estabelece metas e faz leis que depois não honram. É o mesmo com o direito aos métodos contraceptivos.” Temos a ambição, mas não alocamos recursos suficientes para fazer jus a essas mesmas ambições. Durante a definição dos “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio” no ano de 2000, Moçambique apontou como meta o acesso de contraceptivos a 34% do país. Hoje, apenas alguns meses antes de fim do período planificado para realizar estas metas, a disponibilidade ainda é apenas de 11%. Isto significa que apenas cerca de um décimo da população tem acesso a qualquer tipo de contracepção. Isto aumenta a pressão sobre a assistência médica. Contudo, o governo não ignora a questão de má vontade segundo de Barros. “A malária ainda é a maior causa de morte no país, o foco é, portanto, a distribuição de redes mosquiteiras. Mas essa prioridade não é sustentável. Temos que começar a olhar para a saúde sexual e reprodutiva como um factor de desenvolvimento, e não como um luxo. ” Se isso for feito, talvez as opções que temos perante a lei podem ser escolhidas.
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Esta é a segunda parte da série sobre o novo código penal moçambicano. Leia a primeira parte aqui. Na próxima parte, vamos analisar os direitos LGBT e também fazer uma breve compilação sobre o conteúdo do novo código penal. Fique atento!
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Link para o artigo publicado (em sueco):
http://sodraafrikaidag.se/2014/09/03/vad-ar-ett-val-om-du-inte-kan-valja/