Breves
O que é que uma lei contra a Violência Doméstica deve garantir
Comunicado
Publicado no jornal Savana no mês de Dezembro de 2007
Antes de mais, recordemo-nos para que é que servem as leis. Desde sempre, ao longo dos tempos, a história das leis é também a história dos direitos humanos, porque a função de uma lei é exactamente de garantir direitos. E os processos através dos quais se outorgam direitos são protagonizados por grupos de pessoas que se consideram excluídos e que lutam para verem reconhecidas as suas reivindicações.
Por outro lado, as leis definem regras de convivência, que têm por base não somente as práticas sociais, mas ideais de convivialidade, fundamentados nos princípios civilizacionais vigentes, como o princípio da igualdade e da não discriminação, do diálogo e do respeito mútuo.
Assim, quando se propõe uma Lei contra a Violência Doméstica que afecta as mulheres, estamos a falar da defesa de que direitos? Fundamentalmente do direito à integridade física, à dignidade e ao usufruto dos direitos de cidadania em geral. Não chega ter uma lei mãe, a Constituição da República, que reconhece que mulheres e homens têm os mesmos direitos. Para que na prática as mulheres possam usufruir desses direitos nas mesmas condições que os homens, é preciso ter em conta que homens e mulheres ocupam diferentes posições na sociedade, portanto é necessário ter outras leis mais específicas que traduzam esse princípio de igualdade em vários contextos e situações. Já temos uma Lei de Família que consagra esse mesmo princípio ao nível das relações familiares, mas é preciso atacar os mecanismos que produzem e reproduzem a desigualdade de género e que são socialmente tolerados. Por isso, uma lei contra a violência doméstica visa propiciar as condições para que a igualdade de género defendida pela lei moçambicana se possa concretizar a todos os níveis, através da garantia de que as mulheres, no casamento, ao nível das relações de conjugalidade, estão protegidas contra agressões de ordem física, sexual, económica ou psicológica.
Para ser eficaz, quais são os requisitos básicos que deve ter uma Lei Contra a Violência Doméstica?
1 – Em primeiro lugar, e sem ambiguidades, deve ser reconhecido que a violência doméstica contra as mulheres só é possível porque existe um modelo de dominação patriarcal que garante a dominação masculina e a subordinação feminina. Esta forma de violência (ou a sua possibilidade) ajuda a estruturar na desigualdade as relações de homens e mulheres no casamento, mantendo estas dentro dos limites que lhes são fixados. Só porque estruturalmente estão afastadas dos níveis de decisão e dos recursos na família, é que se pode compreender que muitas mulheres vivam situações que pareceriam intoleráveis à maioria dos homens e que são realidades extremas quanto ao que toca os direitos humanos.
2 – Em segundo lugar, uma Lei Contra a Violência Doméstica deve restringir-se à violência que ocorre no âmbito do casamento e das relações de conjugalidade, que são estruturadas na desigualdade e que influenciam todas as outras relações sociais ao nível da família. A violência contra as crianças e a violência contra o idoso devem merecer leis específicas (uma já existe e outra está em forma de proposta) que regulem estes fenómenos que sociologicamente são diferentes.
3 – A Lei Contra a Violência Doméstica deve proteger especificamente as mulheres, não só porque são elas as principais vítimas, mas também porque se encontram em situação de grande desigualdade em relação aos homens, por exemplo, no que respeita a aspectos de ordem política, económica e religiosa. Quando estamos perante situações de desigualdades históricas (como, por exemplo, a população negra na Africa do Sul, afastada pelo apartheid do acesso à terra, das oportunidades de investimento ou do poder político), é preciso garantir que esse grupo seja alvo de medidas temporárias visando corrigir as assimetrias existentes, para que possam usufruir dos seus direitos de cidadania em condições de igualdade com todos os outros cidadãos.
4 – Em quarto lugar e reconhecendo que as mulheres que denunciam sofrem de ameaças e de uma escalada nas agressões que tanto pode provir do agressor como dos familiares deste, a violência doméstica, na lei, deve passar a ser crime público. Deste modo se protegerão as vítimas e se garantirá a possibilidade de intervir em caso de urgência e para salvar vidas, fazendo com que os muros das casas, ao delimitar um “espaço privado”, não mais sejam barreiras intransponíveis.
5 – E porque a mudança é urgente e necessária, uma Lei Contra a Violência Doméstica tem que tornar obrigatória a inclusão, nos currículos escolares, de conteúdos que defendam a igualdade de género e promovam um novo ideal de convivência ao nível do casal, baseado na igualdade e na solidariedade.
Estes são os requisitos mínimos que uma Lei Contra a Violência Doméstica deve garantir. Se não se reconhecerem estes aspectos, então poder-se-á ter qualquer outra coisa, como, por exemplo, uma lei contra a violência em geral ou intra-familiar, mas não se estará a atacar o verdadeiro problema, que é o das mulheres que estão a ser violentadas e até mortas nos seus lares.
Os vários estudos sobre a violência doméstica que desde 1998 se têm realizado no país mostram uma alta incidência deste fenómeno e que um grande número de mulheres vivem em infernos “privados” sem que o Estado as proteja, chegando muitas inclusivamente a perder a vida. As auscultações nacionais que se têm realizado desde 2005, revelam também que as mulheres, embora receosas de serem mal-vistas e de sofrerem agressões, estão fartas de lares violentos e reclamam o direito de se sentirem seguras e valorizadas nas suas próprias casas.
Pelo direito à igualdade!
Pelo direito a uma vida livre de violência!
Assinam, pelo “Movimento Pela Aprovação da Lei Contra a Violência Doméstica”: Action Aid, ADEC – Sofala, AMCS, AMMCJ, AMUDEIA, ASSOMUDE, AVVD, FDC, Fórum Mulher, Fundação Apoio Amigo – Tete, LEMUSICA, MULEIDE, N´weti, Rede CAME, TCV – Nampula e WLSA Moçambique
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