Breves
Machismos Assombrados pelos Direitos das Mulheres
Neste texto de opinião o autor discute um texto publicado no Notícias, em que se alerta que o “empoderamento das meninas não pode ser à custa dos rapazes” e afirma que as posições aqui defendidas são o reflexo de um machismo “encolerizado”.
Neste texto o autor fundamenta a ideia de que os meninos estão a ser vítimas de políticas e práticas correctivas que visam a igualdade de género, alegadamente por que nos concursos as meninas acabam se beneficiando mais que os rapazes, numa situação em que estes não foram responsáveis pela criação/construção de práticas discriminatórias.
Diante disso perguntamo-nos: uma vez que os homens actuais não foram responsáveis pela criação desta desigualdade histórica, devia a igualmente a justiça ou precisamente, as acções afirmativas serem cegas diante dela? É preciso entender que a teoria de género nos levou a perceber os padrões de produção da desigualdade entre homens e mulheres, não através de simples comparações fortuitas e baseadas no senso comum, mas sim por meio de métodos analíticos que permitiram aferir a sua existência.
Voltando ao autor do texto em alusão, numa das partes ele toma como o seu forte a frase de uma catedrática que diz: “que tipo de rapaz iria se atrever a aproximar ou casar com uma rapariga tão empoderada à custa do seu desempoderamento”. Este não-argumento apresenta duas contradições: a primeira contradição surge logo de partida e é conceitual. O casamento entre um rapaz e uma rapariga é ilegal em Moçambique segundo a Lei da Família, pois os nubentes devem ter no mínimo 18 anos (com excepções fundamentadas até aos 16 anos); a segunda contradição é por este argumento revelar a presença de um machismo assombrado pelos direitos das mulheres, evidente quando o autor afirma que nenhum rapaz se casaria ou aproximaria uma rapariga empoderada. Este raciocínio só faz lembrar uma passagem do escritor Eduardo Galeano, profusamente partilhada nas redes sociais que diz o seguinte: “o machismo é o medo dos homens das mulheres sem medo”. Só um machismo assim, encolerizado, tautológico, que quer poder só pelo poder, privilégio só pelo privilégio, pode achar que uma mulher empoderada traz problemas à sociedade.
O autor do texto faz uma outra analogia efémera, quando compara o empoderamento das mulheres à escravatura. Do meu ponto de vista faz bem! E muito bem? Por que qualquer discriminação é escravista. Mas peca na forma como a utiliza quando diz que: “…como se África pudesse exigir à geração actual ocidental, reparos aos danos milenares causados pela escravatura”.
Este argumento demonstra um pouco de falta de actualização. Ao menos o nosso autor deveria saber que até a “igreja católica de hoje” pediu desculpas pelo facto de a “igreja católica do passado” ter apoiado o colonialismo, o holocausto e outros crimes contra a humanidade cometidos pela Santa Sé. E se lê um pouco de história, já deveria saber que a Alemanha do pós II Guerra Mundial foi obrigada a indemnizar os países que ela prejudicou durante a guerra, e que pelo facto de os países ocidentais reconhecerem o direito a autodeterminição dos povos inscrito na carta das Nações Unidas, é em si sinal de comprometimento com os valores que eles mesmos pregam.
Do mesmo jeito, ao se promoverem acções/políticas/práticas correctivas em favor da igualdade de género, é um sinal de reconhecimento e comprometimento com os nossos princípios fundacionais previstos na Constituição da República no art. 35 e 36. Aliás, recentemente, Moçambique passou a ocupar a 2a Vice-Presidência do Bureau do Comité de Género e Desenvolvimento Social em África, prova incontestável da pertinência dessa questão.
O que significa que diante disso, só um machismo assombrado e retrógrado pode pautar por esse tipo de argumento e não é de menos, pois como refere o escritor Mia Couto na “Mulheres de Cinza-As Areias do Imperador”, os homens têm medo das mulheres quando elas falam.
Romão Kumenya
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