Breves
Dia Internacional dos Direitos Humanos 2016
Por ocasião de mais um aniversário do dia Internacional dos Direitos Humanos que se assinala no dia 10 de Dezembro, organizações da sociedade civil preocupadas com a situação que o país atravessa, redigiram um comunicado de imprensa “que reflecte a preocupação global sobre a necessidade de se reconhecer a dignidade humana” no país e no mundo.
Mensagem das OSC alusiva ao Dia dos Direitos Humanos
Assinala-se hoje, 10 de Dezembro de 2016, a passagem de 68 anos após a adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral das Nações Unidas. Trata-se de um documento internacional que reflecte a preocupação global sobre a necessidade de se reconhecer a dignidade humana.
Perante ditaduras de poderes e de genocídios que desde a antiguidade arrasaram a humanidade passando pelas duas grandes guerras mundiais, tornou-se consensual criar um instrumento de conduta ideal na perspectiva de guiar os Estados no tratamento a conferir ao ser humano. É neste espírito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi estabelecida em 1948, cujo conteúdo tem vindo a inspirar a elaboração de constituições de diferentes estados democráticos no Mundo.
As Organizações da Sociedade Civil moçambicana aqui representadas associam-se a este marcante acontecimento e reafirmam a sua fidelidade incondicional aos princípios consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Elas continuarão, como sempre, a divulgar e a defender os ideais pelos quais a Declaração Universal foi adoptada.
A expectativa da humanidade, neste terceiro milénio, é ver um mundo cada vez melhor e que os Direitos Humanos se tornem efectivos e iguais para todos.
No entanto, para as Organizações da Sociedade Civil é desolador observar que passado mais de meio século com a Declaração Universal em vigor e com a aderência de muitos Estados, as guerras continuam ceifando vidas em todos os continentes, enquanto tantos outros seres humanos são obrigados a viver na mais difícil situação de sofrimento, perseguição e exclusão social, pela cor, crença ou o simples facto de pensar diferente ou contrário a uma ideologia.
Em Moçambique, com a aprovação da Constituição de 1990 e sua revisão ocorrida em de 2004, abriu-se um espaço legal para os cidadãos e cidadãs exercerem as liberdades democráticas. Como resultado desta abertura, surgiram partidos políticos da oposição e associações sociais que conferem significado ao ambiente pluralista. Era a criação de bases para a edificação e o fortalecimento de um Estado de Direito democrático condição sem a qual não se pode falar de Direitos Humanos.
No entanto, a convivência prática não ilustra um ordenamento político democrático cada vez mais consistente, ao que se tem por necessidade, a criação de condições e clima efectivos que ofereçam mais garantias aos cidadãos.
É por isso que as Organizações da Sociedade Civil moçambicana acompanham com profunda preocupação a contínua degradação das condições de segurança dos cidadãos e cidadãs.
Contra todos os argumentos, é lamentável que a relação entre o Governo e a Renamo seja marcada por uma confrontação militar e desentendimentos a todos os níveis. Frequentemente, pessoas comuns, membros da Frelimo e da Renamo incluindo dirigentes destas duas formações políticas são raptadas, assassinadas, dadas por desaparecidas ou forçadas a abandonar as suas zonas de origem.
O restabelecimento urgente da paz não pode estar refém dos apetites dos dois contendores beligerantes. É nosso entender que a questão da Paz em Moçambique deve ser alargada a outras vozes da sociedade, neste caso a Sociedade Civil.
A acção policial está cada vez marcada por práticas de anarquia, indisciplina, corrupção e ausência total de ética profissional. Mais do que nunca é visível a exibição do clima de força por parte das autoridades que em nada favorece a segurança e a liberdade de circulação dos cidadãos.
Reportam-se em quase todo o país, episódios de detenções arbitrárias, interrogatórios nocturnos, ameaças aos cidadãos e cidadãs por parte dos agentes do Estado, deixando impunes os prevaricadores da lei e os mentores da grande corrupção. É inquietante a apatia e indiferença dos órgãos de direito sobre estes actos que em nada dignificam o nosso Estado.
Ainda mais, aumenta o nível de insegurança nos nossos centros urbanos. Crimes de raptos e assassinatos acontecem ante o olhar sereno e impávido dos agentes da lei e ordem. Os casos de tráfico de órgãos e partes do corpo humano, com o agravante de casos de pessoas com albinismo, muitos deles continuam sem explicação e responsabilização dos seus autores e cúmplices. Infelizmente, a criminalidade atingiu níveis fora do controle pela incapacidade operativa dos agentes da lei e ordem.
Os cidadãos queixam-se em todo o país de detenções arbitrárias, torturas e, em alguns casos, as pessoas são abatidas ou desaparecidas nas mãos da polícia. O ambiente é de desespero em termos de segurança e a Polícia continua no descrédito total perante a sociedade.
Preocupa-nos sobremaneira que a luta pelo controlo e manutenção do poder a todo o custo, a ganância, a impunidade, o enriquecimento ilícito e a partidarização das instituições públicas possam estar por detrás da violência e exclusão social prevalecentes no país.
Uma simples manifestação de exigência de direitos cívicos pode significar acções brutais da Polícia de Intervenção Rápida.
É lamentável que uma simples caso da greve, embora seja um direito com assento Constitucional, perdeu efectividade para os trabalhadores, aos que lhes é submetido o terror que recorrer à greve significa a perda imediata do seu emprego ou mesmo de vida.
A nível dos Tribunais, Procuradoria e outros sectores de administração da Justiça as deficiências são ainda maiores para poder-se chegar ao ponto de afirmar que os cidadãos moçambicanos não têm acesso pleno à justiça. Processos parados ou esquecidos, deixando casos por esclarecer é o que caracteriza o nosso sistema de Justiça.
As cadeias continuam superlotadas, albergando os reclusos em condições desumanas. Detidos permanecem para além do tempo definido pela lei para a prisão preventiva.
Não obstante o sistema estar viciado, a Procuradoria tem-se mostrado preocupada com a ocorrência de ilegalidades e injustiças, ainda que o esforço para a sua reposição se mostre ineficiente.
A degradação moral da sociedade pode ser mais devastadora ainda com o espectro do HIV-SIDA. É preciso passar do “marketing” político a acções concretas que passam por criar condições efectivas de alívio à pobreza por forma a que a propagação do HIV-SIDA deixe de ser, também, problema da miséria.
A situação económica do país tornou-se crítica e preocupante, com o aparecimento de dívidas contraídas ilegalmente, e assumidas como dívidas públicas a serem pagas por todos cidadãos e cidadãs deste país.
Face ao agravamento do custo de vida, o Governo não tomou medidas eficazes para conter a subida dos preços dos produtos e serviços básicos. Estamos sim, perante um Governo que não é capaz de prever situações agravantes por forma a atenuar as suas consequências sobre a maioria dos moçambicanos e moçambicanas. Torna-se assim urgente, a adopção de medidas para o restabelecimento duma economia estável e com um real impacto social e humano.
Na área do género continuamos a assistir a proliferação de casamentos prematuros, matando o sonho de muitas raparigas e obrigando-as a abandonar os seus estudos. Também temos assistido de forma recorrente, casos de violação sexual que afecta mulheres e raparigas nos espaços de circulação, o que demonstra alguma fragilidade no que toca a segurança na via pública.
Continuamos a tratar a Pessoa Idosa de forma desumana, com um sistema de Segurança Social que está longe de ser digno. E por conseguinte, conduz este grupo social a uma crescente mendicidade, seu último recurso para sua sobrevivência.
Em relação à Pessoa com Deficiência, presta-se pouca atenção aos seus direitos de acesso aos espaços públicos (escolas, hospitais, centros comerciais, pavimentos, etc.), ao emprego, educação, transporte e a outros serviços básicos.
Em relação ao direito à terra, a descoberta e exploração de recursos naturais tem sido um presente envenenado para as comunidades locais que são expropriadas sem serem consultadas como a lei exige e, pior ainda sem sequer beneficiar dos recursos descobertos em suas terras. Os reassentamentos longe de melhorarem as suas condições de vida são um retrocesso, porque as populações são deslocadas para zonas com piores condições de habitabilidade e auto-sustentabilidade, tudo em nome de um alegado interesse público que não atende as preocupações do indivíduo a quem deve servir. Esta exploração dos recursos naturais é feita de forma desregrada, originando a poluição e destruição do meio ambiente.
Tudo o que apoquenta o nosso país encontra na corrupção um factor impulsionador. Este mal virou um subsistema dentro do sistema da Administração Pública, e por consequência a corrupção manda o país, e o cidadão fica desprovido dos seus mais elementares direitos.
Não obstante estes factos, as Organizações da Sociedade Civil saúdam os esforços de alguns actores e da imprensa que apesar de perigos políticos, ainda ganham coragem de denunciar casos de violação dos direitos básicos e da dignidade das pessoas, bem como na busca de uma abordagem mais abrangente e inclusiva sobre a problemática dos Direitos Humanos.
Volvidos 68 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, as Organizações da Sociedade Civil signatárias deste texto, consideram que no nosso país, os Direitos Humanos continuam sendo um desafio e, até, uma afronta ao poder político. No entanto, no meio destas adversidades, apraz-nos observar, que existe um número cada vez maior de pessoas a aderir às campanhas de exercício da cidadania e a falar sobre os Direitos Humanos como uma causa nobre e primordial para todos e todas em Moçambique.
Maputo, 10 de Dezembro de 2016.
Deixe um comentário