Breves
Conferência Nacional da Rapariga: “Apostar na rapariga é apostar no futuro”
Entre os dias 15 e 16 de Dezembro, na cidade de Maputo, realizou-se a II Conferência Nacional da Rapariga, que contou com a presença de representantes de todo o país, com o lema: “Apostar na rapariga é apostar no futuro”. O evento foi organizado pela Coligação para Eliminação dos Casamentos Prematuros (CECAP), com o apoio do FNUAP, DFID e UNICEF e várias Organizações da Sociedade Civil, juntamente com as raparigas das várias associações, grupos comunitários e grupos de escolas, a nível nacional.
A Conferência Nacional da Rapariga teve como objectivo principal reforçar o diálogo nacional sobre os direitos humanos das raparigas a fim de construir alternativas mais eficazes de garante de um ambiente em que as raparigas gozem duma vida digna, sã e plena.
Veja a seguir a carta lida por uma jovem, em nome das raparigas de Moçambique.
Carta de intervenção da rapariga
Apresentada pela Associação Horizonte Azul
É um privilégio imensurável estar aqui e falar como rapariga. Sei que milhares de raparigas no nosso país não sabem o que é ser rapariga, porque esta palavra representa uma conquista, significa que existimos, que estamos continuamente visibilizando e dando nomes aos problemas, e acima de tudo significa que somos sujeitas de direito.
Talvez devamos começar por falar das uniões forçadas que muitas e muitos de nós, aqui nesta sala, chamamos de “casamentos” prematuros: “porquê suavizar e decorar algo que é tão prejudicial à rapariga, atribuindo o nome de “casamento”? Porque é que tememos tanto usar palavras que dão significado ao problema que queremos enfrentar? Estas são algumas das questões sobre as quais devemos reflectir nesta conferência, como dar nomes realísticos aos problemas e não procurar o politicamente correcto.
No nosso país, Moçambique, não há segurança para as raparigas, os problemas são enfeitados e atribuídos nomes que ofuscam a realidade. Ao abordarmos as uniões forçadas devemos conectá-las aos diferentes problemas que as raparigas enfrentam, tanto nas áreas urbanas assim como nas rurais, a maternidade precoce, as fístulas obstétricas, a mortalidade materna, as infecções pelo HIV e SIDA, a abstinência escolar, a violação sexual, a insegurança urbana, a prostituição infantil, o trabalho infantil e o tráfico de órgãos humanos.
Muitas de nós estudamos à noite, corremos riscos de sermos violadas, estupradas, assaltadas assassinadas nas ruas e becos onde a polícia não se encontra presente nem sequer representada, pois, no nosso país, a noite não pertence às raparigas, nem mesmo o dia.
E aí, Moçambique, se não temos o dia nem a noite, o que temos então?
Todos os dias assistimos a reportagens sobre violação sexual de bebés, crianças, adolescentes, jovens, e até as mulheres idosas não escapam. Afinal onde estamos? E os agressores continuam soltos e muitos deles ficam nas barracas a consumir 3-100 e depois nós é que sofremos.
Nós, raparigas, exigimos o direito de viver a nossa meninice em segurança. Não matem a nossa infância, a nossa adolescência, nós queremos construir memórias sobre as nossas brincadeiras, sobre as nossas leituras, sobre os nossos sonhos, para inspirar outras raparigas. Não queremos fazer parte das estatísticas das uniões forçadas ou da mortalidade materna.
Uma em cada quatro mortes, isto é, 24% das mortes que ocorrem dos 15 aos 19 anos é atribuída a causa materna. É inaceitável que continuemos a perpetuar esta injustiça no nosso país.
Devíamos estar na escola, mas somos parte desta triste realidade que pode ser evitada. Que desenvolvimento almejam? Se asfixiam o progresso da rapariga, não oferecem ambiente para que possa estudar e planificar o seu futuro.
O desenvolvimento do país não pode ser medido apenas pelo gás, carvão, algodão, petróleo. Realmente, não percebemos nada sobre esses assuntos da micro/macro economia, mas entendemos que as nossas vidas e a nossa infância devem ser vividas com respeito e dignidade. O desenvolvimento só será alcançado se cuidarem das raparigas, respeitando os seus direitos. Enquanto não reconhecerem e entenderem isso, não se pode falar em desenvolvimento e muito menos de direitos humanos no nosso país.
Em Moçambique faltam escolas, faltam hospitais, ruas iluminadas em boas condições, faltam habitações sociais, falta energia, falta transporte, mas em contrapartida não faltam carros de luxo, banquetes, mansões a perder de vista, dirigentes que alienam bens públicos e privatização dos espaços públicos.
Esta conferência deve ser um espaço para exigirmos um compromisso do Estado, não queremos soluções morais, que só estão no papel, que não geram responsabilidades. Queremos acções concretas que favoreçam a eliminação das uniões forçadas, da violência, da insegurança, da desistência escolar, da mortalidade materna, e, acima de tudo, que encarem os problemas como eles são e que parem de culpar as raparigas. Que esta conferência contribua para melhorar a situação das raparigas. Queremos ser visíveis, participar em tudo o que tem a ver com a rapariga, não queremos um país de ninguém.
Nada sobre nós sem nós
Nossas vozes, nossos sonhos, raparigas inspirando raparigas,
Pelas raparigas de hoje e de amanhã, seguiremos em marcha até que todas sejamos livres.
Deixe um comentário