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Omitidas

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Contra a violência de género

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A sociedade civil manifestou-se na inauguração dos X Jogos Africanos

 

Conferência Nacional sobre Violência de Género

Texto 5

Violência do Género e Acesso à Justiça em Moçambique

(Síntese a partir dos slides)

Berta Chilundo

(Presidente da MULEIDE)

 

Publicado em “Outras Vozes”, nº 41-42, Maio 2013

 

Quadro legal para defesa dos Direitos Humanos das Mulheres em Moçambique

A violência contra a mulher é um fenómeno cuja causa principal é o desequilíbrio de poder entre mulheres e homens. Assim, sendo, os Estados têm o dever de domesticar os instrumentos internacionais de defesa dos direitos humanos das mulheres, tanto no domínio público como privado.

É no âmbito deste dever que o Estado moçambicano aprovou normas e criou instituições, programas de protecção dos direitos da mulher, em particular a protecção contra a violência baseada no género.

Os primeiros marcos da legislação sobre os direitos humanos das mulheres em Moçambique datam da primeira Constituição da República (CRM) de 1975, que estabelecia que:

“homens e mulheres devem ser iguais perante a lei em todas as esferas da vida politica, económica, social e cultural.”

Esse princípio de igualdade também foi consagrado na CRM tanto de 1990, assim como de 2004.

Princípios de protecção dos Direitos Humanos Consagrados na CRM 2004

A Constituição de 2004 vai mais longe e estabelece uma série de importantes princípios e direitos:

Princípio da Universalidade e Igualdade (art. 35º CRM) – “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos Pais, Profissão ou opção politica.”

Princípio da Igualdade do Género (art. 36º CRM) – “O homem e a mulher são iguais perante a lei em todos os domínios da vida politica, económica, social e cultural.”

Direito à Vida (art. 40) – “Todo o cidadão tem direito à vida e à integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou desumanos.

Acesso aos tribunais (art. 62º) – “O Estado garante o acesso dos cidadãos aos tribunais e garante aos arguidos o direito de defesa e o direito à assistência jurídica e patrocínio judiciário. O arguido tem direito de escolher livremente o seu defensor para o assistir em todos os actos do processo, devendo ao arguido que por razões económicas não possa constituir advogado ser assegurada a adequada assistência jurídica e patrocínio judicial.”

Direito de recorrer aos Tribunais (art.70º) – “O cidadão tem direito de recorrer aos tribunais contra os actos que violem os seus direitos e interesses reconhecidos pela Constituição e pela Lei.”

Quadro legal – Outras medidas

O Estado moçambicano adoptou outras medidas, tais como:

  • A criação do Ministério da Mulher e Acção Social, que tem como competência zelar pelas questões de género;
  • A criação de Planos quinquenais, onde a questão do género e protecção da mulher constitui um aspecto importante a se ter em conta nas áreas de protecção, saúde, educação, etc.;
  • A criação de Gabinetes de Atendimento à Mulher e Criança Vítimas de Violência Doméstica;
  • A aprovação da Lei sobre a Violência Domestica praticada contra a Mulher (Lei nº 29/2008, de 29 de Setembro);
  • A adopção do Plano Nacional de Prevenção e Combate a Violência contra a Mulher (2008-20012);
  • A elaboração da proposta de Mecanismo Multissectorial de Atendimento Integrado para as Vitimas de Violência Doméstica.

As organizações da sociedade civil, tais como o Fórum Mulher, a Muleide, a WLSA, a AMMCJ e a Liga dos Direitos Humanos, têm realizado várias acções de protecção dos direitos humanos das mulheres, que partem desde acções de sensibilização, advocacia e lobby, protecção das vítimas, assistência jurídica, até à capacitação dos polícias.

Violência de género e acesso à justiça

Será que ao falar em acesso à justiça, estamos a falar de acesso ao aparato judicial ou a determinação judicial justa? Segundo Flor de Maia Meza e Marta Scapitta, “o acesso à justiça deve ser entendido como o exercício de um conjunto de direitos fundamentais constituídos sobre uma base de igualdade, com o fim de garantir a solução de conflitos mediante os procedimentos estabelecidos pelas leis de um país”.1

A promoção dos direitos das mulheres e de responsabilização do sistema judicial para com todos os cidadãos, derivou em grande medida da insistência de que a justiça começa em casa e que os tribunais e o sistema judiciário desempenham um papel fulcral em garantir que o enquadramento jurídico é aplicado de uma forma integral, justa e uniforme para beneficiar todos os indivíduos. Contudo, embora o número de leis pertinentes para a igualdade de direitos e anti-discriminação tenha aumentado tanto a nível nacional como internacional, muitas destas leis enfrentam desafios significativos a nível da implementação e sua aplicação. Os sistemas de justiça informais representam um desafio único, uma vez que estes estão muitas vezes “isentos” da aplicação de direitos humanos e de normas de igualdade de género, sobretudo porque não há sistemas para monitorar em permanência o seu funcionamento.

Em alguns países, em especial no mundo em desenvolvimento, grande parte das mulheres nunca entrará em contacto com o sistema jurídico formal. Uma vez que é difícil aplicar normas de direitos humanos reconhecidas constitucionalmente a sistemas jurídicos informais, esses sistemas raras vezes asseguram o direito da mulher à igualdade concreta (UNIFEM, 2008:12-13).

Desafios do acesso à justiça

Embora exista um quadro legal que estabelece o acesso à justiça, e apesar de estarem criadas instituições que visam assegurar a protecção dos direitos da mulher, por exemplo, a criação do Ministério da Mulher e Acção Social, os Gabinetes de Atendimento à Mulher e Crianças Vítimas de Violência Doméstica, o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ, com a missão de prestar assistência jurídica aos mais necessitados), bem como a existência de organizações que prestam assistência jurídica (MULEIDE, Liga dos Direitos Humanos, AMMCJ, etc.), o acesso à justiça enfrenta vários desafios, por causas diversas.

Em primeiro lugar, pelo desconhecimento, pois grande parte da população moçambicana é analfabeta e vive nas zonas rurais. Destes, as mulheres em Moçambique representam 52% da população, dos quais 64.4% são analfabetas, com níveis de acesso à informação e educação relativamente mais baixos quando comparados com os homens. As práticas culturais, a desigualdade de género, a falta de acesso aos recursos e outros factores sociais, económicos e políticos limitam o seu nível de conhecimento sobre os seus direitos, o que obstaculiza o acesso à justiça, uma vez que não é possível pleitear algo que se desconhece.

A par do desconhecimento, existe também descrença no judiciário. O complicado aparato judicial, seus prazos e formalidades e o número cada vez maior de processos, que são incompatíveis com os recursos disponíveis para solução, e a demora cada vez maior para a obtenção de uma decisão, acabam produzindo na população, em particular nas mulheres, a ideia de que a justiça não é eficiente e que não alcança o desejado, fazendo com que muitas vezes se opte pela máxima, “mais vale um acordo que mover uma acção”. Desta maneira se abre mão de direitos e da via judicial para a solução de litígios.

Atrelada a estes dois factores, está a ideia mercantilista que se tem do judiciário. Embora exista o IPAJ e outras ONGs que prestam assistência jurídica, o número de defensores à disposição é bastante insuficiente para fazer face ao elevado número de clientes que não podem arcar com os honorários. Somam-se ainda a esse problema o transporte público deficitário e a insuficiência de programas sociais voltados para a erradicação da pobreza, pois várias vezes, as mulheres são obrigadas a fazer diversas viagens em busca de uma solução, não tendo com frequência condições financeiras para arcar com as despesas de transporte.

O judiciário encontra-se distante das populações, em particular das mulheres, tanto de ponto de vista geográfico como institucionalmente, o que intensifica o problema do acesso à justiça. Os tribunais não se encontram em certos locais do país, pese embora se reconheça que o governo tem criado condições para que exista um tribunal em cada distrito. No entanto, estes esforços revelam-se ainda insuficientes, pois Moçambique é um país com uma extensão geográfica muito grande. Por outro lado, para além do distanciamento em termos físicos, existe um distanciamento institucional do judiciário, pois desde o estilo de arquitectura dos tribunais, até à linguagem usada e às vestimentas adoptadas, tudo concorre para promover o distanciamento, pois mantêm os actores jurídicos (juízes, advogados, oficiais de diligencias) cada vez mais afastados dos “usuários” do judiciário.

A pobreza é um dos factores que permeia todos os demais, pois ela constitui num grande obstáculo ao acesso à justiça.

As mulheres, tendo em conta o desequilíbrio do género, pois por causa das várias crenças socioculturais, elas têm um tratamento desigual no que se refere ao acesso à justiça, são mais afectadas e estão mais distantes do sistema de justiça.

O desconhecimento por parte das mulheres acerca dos seus direitos é maior em relação aos homens, em virtude da exclusão e violência que vivenciam quotidianamente, e que acabam por afastá-las de informações que lhes permitiriam compreender a amplitude da problemática. Também é maior a descrença e o distanciamento das mulheres em relação ao judiciário, pois este é tido ainda como sendo historicamente masculino e que em muitos casos continua perpetuando uma visão estereotipada e preconceituosa sobre os papéis femininos e masculinos na sociedade.

Pese embora esteja previsto o princípio da igualdade e de não discriminação na Constituição de Moçambique, na prática, essa igualdade formal não é suficiente para garantir a plena fruição pelas mulheres dos direitos que são detentoras. Isto acontece porque o aparato judicial não reconhece a desigualdade de facto que existe entre elas e os homens, e portanto, não possui mecanismos que contemplem e superem essas desigualdades, minimizando os seus efeitos sobre o acesso das mulheres à justiça.

Possíveis medidas para aumentar o acesso à justiça

Perante esta situação, avançamos com algumas sugestões de medidas que podem ajudar a minimizar o problema:

  • Garantir tratamento justo e igualitário por parte dos operadores do Direito;
  • Reconhecer a condição peculiar da mulher enquanto sujeito de direitos;
  • Divulgar esses mesmos direitos;
  • Garantir o acesso à informação sobre o processo;
  • Formar pessoal capacitado e sensibilizado (policiais, juízes, advogados, procuradores) e despidos de preconceitos e estereótipos de género;
  • Intensificar as acções de sensibilização dos líderes comunitários, com vista à transformação de práticas prejudiciais e uma mudança social onde as crenças são alteradas, promovendo um diálogo contínuo.

Para terminar, apresento em seguida os dados referentes à assistência jurídica prestada pela MULEIDE (Associação Mulher, Lei e Desenvolvimento):

Tabela 1: Dados da assistência jurídica prestada pela MULEIDE, 2012
Classificação Nº de casos Casos em curso Casos resolvidos Descriminação por sexo
Muleide Tribunal F M
Assistência e Jurídica 488 108 323 57 404 84
Tribunal de Menores 19 5 38 19
Tribunal Judicial da Cidade de Maputo 16
Tribunal Provincial 12
Tribunal Distrital Ka Mubucuane 3 3 0
Ka Maxaquene 2 2 0
Ka Machava 7 6 1
Tribunal de Sofala 233 2 189 45 252 19

 

Tabela 2: Dados da assistência jurídica prestada pela MULEIDE, por tipo de crime/acção, 2012
Tipo de caso Nº de casos Sexo Casos em curso Casos resolvidos na Muleide
F M
Violência Física 65 57 8 24 41
Violência Sexual 5 5 0 4 1
Violência Psicológica 8 7 1 3 5
Expulsão do Lar 37 37 0 10 27
Abandono de Lar 24 23 1 16 8
Pensão de Alimentos esposa / ex-esposa 9 7 2 5 4
Pensão de Alimentos pai p/ filhos 50 47 3 19 31
Investigação de paternidade 37 36 1 9 28
Registo de Crianças 43 37 6 5 38
Perfilhação 1 1 1 0 1
Divórcio 16 6 10
Separação de pessoas 19 13 6 4 15
Separação de bens 25 17 8 10 15
Conflitos conjugais 57 52 5 21 36
Conflitos familiares 23 19 4 8 15
Feitiçaria 8 8 0 2 8
Despedimento/laboral 19 13 6 4 15
Conflito de terra 9 6 3 2 7
Conflito sobre imóvel 21 15 6 7 14
Partilha de herança 12 9 3 3 9
Total de casos 488 389 84 167 323

 

Referência:

UNIFEM, 2008, O progresso das Mulheres do Mundo.

 

Nota:

  1. Citadas por Letícia Massula, 2006, A violência e o acesso das mulheres à justiça: o caminho das pedras ou as pedras do (no) caminho. In: C. Diniz, L. da Silveira, L. Mirim, Vinte e cinco anos de respostas brasileiras em violência contra a mulher: Alcances e Limites – São Paulo: Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, pp. 140-166.

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