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Omitidas

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Contra a violência de género

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A sociedade civil manifestou-se na inauguração dos X Jogos Africanos

 

O significado da viuvez para a mulher1

Eulália Temba

 

Publicado em “Outras Vozes”, nº 9, Novembro de 2004

 

Com a presente comunicação pretendemos dar um contributo ao debate que terá lugar à luz da divulgação pela AMMCJ sobre a situação das viúvas. De 1992 a 1998 a WLSA Moçambique tem vindo a realizar investigações sobre temáticas da mulher e lei numa perspectiva de género. Numa das etapas da investigação foi conduzido o estudo sobre o conhecimento da lei por parte da viúva, a sua posição em relação à herança, e as representações dispensando a mulher no direito sucessório.

Portanto, será com base nestes assuntos e naquilo que após a conclusão da investigação continuamos a observar e a captar sobre o estado de viuvez da mulher, que iremos fazer uma apresentação sumária desta temática.

O estudo tentou abarcar vivências dos dois sistemas de parentesco que têm maior expressão no país – o matrilinear, nalgumas regiões da província de Nampula e o patrilinear na província de Maputo e Gaza. Como grupo-alvo tivemos viúvas e viúvos de diferentes idades, casadas/os pelo registo civil, casadas pela via tradicional, referimo-nos ao lobolo, e viúvas casadas em uniões polígamas.

Do conhecimento da Lei

As/os entrevistadas/os revelam desconhecimento total da Lei relativa à sucessão e recorrem de forma muito limitada a instituições jurídicas para a solução de conflitos resultantes dos bens herdáveis.

Na região Sul, o trabalho com 39 mulheres deu-nos a entender que, havendo um caso de injustiça na distribuição dos bens, estas estariam dispostas a reivindicar o seu direito à herança, inclusive junto das instâncias jurídicas.

Segundo informações prestadas por informadores-chave, as mulheres geralmente não recorrem ao Tribunal (refere-se ao Tribunal Comunitário) para apresentar problemas que possam surgir relativos à herança, simplesmente porque não sabem que têm direito a recorrer àquela instância: “Nos bairros não há informação para dar a conhecer às mulheres, que, quando têm problemas, conflitos sobre a herança, devem proceder desta e daquela maneira. Muitas mesmo sem estarem viúvas, quando têm problemas com o marido, arrumam as coisas e vão-se embora. Não sabem que podem meter queixa”.

Na área matrilinear constatou-se também que a maioria da população entrevistada, tanto mulheres como homens, desconhecem totalmente a Lei.

Verificámos também que, para além da falta de informação das mulheres sobre a lei, há outra limitação que as impede de terem direitos iguais ao homem, de acordo com o direito sucessório. Referimo-nos concretamente à utilização da figura legal do chefe de família, contida no Código Civil, que coloca o homem como cabeça do casal. Esta figura, ao ser utilizada na prática judiciária, provoca de facto uma situação de discriminação da mulher perante a lei.2

Há ainda a considerar que, fazendo parte do contexto das normas costumeiras de sucessão, a prática do levirato, sororato e rituais de purificação, expressam um modelo patriarcal, que assegura a sua reprodução através da educação tradicional e diversas práticas, especialmente as religiosas.

Práticas tradicionais relativas à viuvez

No quadro dos valores culturais emanados das normas costumeiras, acredita-se que a morte é um fenómeno associado a implicações malignas que exige um tratamento especial para a pessoa directamente atingida ou para a família inteira. Este tratamento na área patrilinear é designado por kubassisa e na sociedade matrilinear por namurapi, um dos termos mais usuais por nós encontrado.

Estes rituais, conforme se pode constatar, existem tanto no sistema matrilinear como no patrilinear e todos eles têm um fundamento comum que se baseia nas seguintes crenças:

  • A morte produz uma situação de perigosa impureza que afecta a comunidade e que põe em estado negro a viúva e o viúvo
  • A/o viúva/o têm que ser purificados para evitar que o estado negro criado pela morte venha a provocar infortúnios na sua vida futura como, por exemplo, doença dos filhos, esterilidade da viúva depois de contrair novo casamento e instabilidade no novo lar.

A investigação mostrou que muitas vezes os rituais de purificação são utilizados como testes para legitimar a “culpabilidade” da mulher na morte do marido. A título de exemplo, uma das viúvas por nós entrevistadas revelou: “A cerimónia foi dirigida pelas anciãs familiares do meu marido. Amarraram-me com um pano preto e tive de ficar de pernas abertas em frente de uma fogueira; se urinasse estaria isenta da responsabilidade da morte do meu marido, caso contrário seria culpada”.

A viuvez é mais pesada para a mulher do que para o homem, sendo muitas vezes a morte do marido associada a um feitiço feito pela mulher para o matar e ficar com os bens. Mais uma vez aqui fica patente o raciocínio de que as bruxas e feiticeiras são mulheres. A mulher tem que ser sempre viúva para toda a vida, o modelo cultural patriarcal cria vários constrangimentos com o intuito de evitar que a viúva volte a casar e tenha uma vida normal.

Não encontrámos nenhum caso em que o marido tivesse sido acusado de ter morto a mulher. Aqui vale a pena referir que mesmo os casos de homicídio praticados por homens em relação à mulher não são alvo de grande penalização, porque ser mulher, infelizmente em algumas circunstâncias, ainda é ser subordinada, um objecto pertencente à figura masculina.

Estas práticas e representações são frequentes nos nossos dias e constituem violência contra a mulher, violação dos seus direitos.

O modelo cultural patriarcal que predomina na nossa sociedade, usando como pretexto a preservação dos bens deixados pelo falecido, exerce de forma aberta e cruel a violação dos direitos da mulher. Não é de estranhar o facto de que algumas mulheres também apareçam a encabeçar acusações públicas contra outras mulheres, reforçando a crença de que muitas viúvas são responsáveis pela morte do marido. Isto é mais uma manifestação de como, por via da socialização, essas mulheres se foram apropriando desse modelo, aparecendo por vezes como as mais violentas na sua reprodução.

Sobre este assunto lançamos um alerta ao movimento de mulheres, pois estas situações acontecem por todo o lado e é preciso travá-las. Pensamos que a reforma legal por si só não vai mudar este quadro. O papel da educação como meio de socialização é extremamente importante, bem como a organização de programas educativos e debates nos quais participem homens e mulheres, podendo constituir instrumentos que nós, organizações de mulheres, podemos utilizar como contribuição para a mudança destas práticas opressivas em relação à mulher.

 

Notas:

  1. Este texto foi escrito em 1998, para ser apresentado no âmbito de um debate sobre a situação das viúvas, organizado pela AMMCJ (Associação das Mulheres Moçambicanas de Carreira Jurídica). O material usado para a elaboração desta comunicação foi recolhido no âmbito do projecto de pesquisa sobre o sistema de administração da justiça em Moçambique.
  2. Com a aprovação da nova Lei de Família, este ano, eliminou-se a figura “chefia de família”, passando a designar-se “representação de família”, responsabilidade que tanto pode caber ao marido como à mulher, dependendo do acordo a que o casal chegar.

* * *

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