Não é controlando o vestuário das mulheres que se pode travar a epidemia do SIDA
Comunicado do Fórum Mulher
Publicado em “Outras Vozes”, nº 14, Fevereiro de 2006
No passado dia 16 de Fevereiro de 2006, o Presidente da República, Armando Guebuza, numa iniciativa visando congregar esforços no combate ao HIV/SIDA, realizou um encontro com organizações de mulheres implicadas na luta contra esta epidemia.
Nesta reunião, de extrema importância por revelar o compromisso e o interesse das mais altas chefias do País, várias activistas exprimiram diversos pontos de vista que reflectiam as suas experiências.
Curiosamente, em vez de dar conta de toda a riqueza do debate, a maioria dos órgãos de comunicação social escolheu divulgar uma visão monolítica e redutora de evento. Foi assim que, na semana passada, o público tomou conhecimento de que as “organizações de mulheres” defendiam que uma das vias de combate ao SIDA era o controle da maneira como as jovens se vestem, de modo a evitar que com a exposição dos seus corpos elas “provoquem” os homens, levando-os a cometer “desvios de comportamento”. Na descrição destes “desvios” estão a violação e o assédio sexual, o adultério, etc. Em consequência, propunha-se a elaboração de leis que controlassem o vestuário das raparigas e das mulheres.
Neste apanhado, há uma dupla falsidade cometida por omissão:
- Em primeiro lugar foi somente uma organização que defendeu a posição acima apresentada, ao falar em “organizações de mulheres”, a imprensa faz crer ao leitor de que essa é a posição consensual de todas as organizações de mulheres, o que é definitivamente falso.
- Em seguida, a maneira como a notícia foi apresentada leva a que se presuma de que essa foi o único aspecto discutido. Não são sequer mencionados os graves problemas debatidos no encontro e que constituem preocupação das organizações que trabalham na base e com as comunidades em programas vários de alívio aos infectados e aos afectados pelo SIDA (entre outros, a necessidade de uma legislação que procure prevenir a contaminação intencional que muitas mulheres são vítimas por parte dos seus parceiros, o peso dos cuidados ao domicílio que tem recaído sobretudo sobre as mulheres, a prioridade ao incentivo de actividades de geração de rendimentos para as pessoas infectadas e afectadas, para que estas possam encontrar soluções sustentáveis aos seus problemas).
Por tudo isto, lamentamos que alguma imprensa tenha tratado de forma tão leviana um tema como este e tenha deste modo desinformado os leitores.
Face a esta situação, o Fórum Mulher, como rede de organizações de mulheres, faz saber por este comunicado o seu repúdio total a qualquer posição ou visão que pretenda responsabilizar as mulheres pela expansão da epidemia da SIDA no país:
- A expansão da SIDA está estreitamente relacionada com os padrões comportamentais e com as práticas sexuais
- Dada a estrutura de poder na sociedade, as mulheres têm menos controle do seu corpo e da sua sexualidade, o que faz com que mesmo sabendo quais são os meios de defesa contra a contaminação, não os podem pôr em prática. Com efeito, em geral, as raparigas e as mulheres quase nunca podem dispor do seu próprio corpo e decidir quando, como e com quem devem ter relações sexuais.
Recusamos de forma terminante que as vítimas de agressão sexual possam ser responsabilizadas pelo comportamento do agressor. O mito de que o homem é uma “besta” que não se pode dominar quando vê o corpo feminino é usado, quer para justificar o controle sobre os corpos das mulheres, quer para passar a culpa do agressor para a vítima.
Somos a favor da igualdade de direitos e do respeito pelos direitos sexuais e reprodutivos de homens e de mulheres. Com responsabilidade, com liberdade e com respeito no exercício destes direitos, nós todos seremos capazes de travar a epidemia do SIDA.
Por uma sociedade com igualdade entre homens e mulheres!
Por uma vida livre do SIDA!
Maputo, Fevereiro de 2006
Terezinha da Silva
Presidente do Conselho de Direcção