Mulheres com formação superior e emprego remunerado: mulheres emancipadas?1
Alberto Cumbi
No contexto actual da emancipação das mulheres e igualdade de género, nota-se a produção de um discurso oficial que procura incentivar a presença de mais mulheres no espaço público (ensino superior, mercado de trabalho remunerado, ao nível do parlamento, do executivo e do judicial), como forma ou mesmo indicador da sua emancipação. Esta tendência começa logo após a independência (de 1975 a meados dos anos 80), em que há um esforço redobrado para permitir que mais mulheres tenham acesso massivo à educação, à alfabetização e ao emprego.
Verifica-se cada vez mais mulheres a ocuparem cargos de tomada de decisões ao nível do poder executivo, parlamentar e dos partidos políticos para além de tantas outras que possuem ensino superior e um emprego remunerado. Nesse contexto, para o nosso caso, interessa-nos discutir o nível de possibilidade das mulheres com formação superior e um emprego remunerado de negociarem por mais igualdade numa relação conjugal. Ou seja, será que se podem considerar emancipadas ou que vivem numa situação de igualdade de género mulheres que trabalham e possuem ensino superior?
Para tornar possível a discussão do problema levantado, conversámos com seis (6) casais, totalizando 12 informantes. Desses doze (12), seis (6) possuem o ensino superior e outros seis (6) estão ainda a frequentá-lo e todos eles têm um emprego remunerado. Os nossos instrumentos de observação foram as entrevistas semi-estruturadas porque nos permitiram conversar abertamente com os entrevistados e recolher o máximo possível de informação. No texto, consideramos a nossa amostra de casais um (1) a seis (6). Este é um código por nós adoptado para facilitar a discussão da informação recolhida. Ao fazermos referência a um dos cônjuges, designamo-lo por esposa ou esposo um (1) a seis (6). Às expressões entrevistadas/os e informantes foram atribuídos significados equivalentes, assim como aos termos informação e depoimento.
Da perspectiva teórica aos conceitos
A perspectiva teórica que orientou este trabalho é, por um lado, a feminista, que tem uma abordagem construtivista das relações de género, considerando a identidade masculina e a feminina não como naturais ou biologicamente determinadas, mas socialmente construídas durante o percurso biográfico dos indivíduos. Por outro lado, trabalhámos com a teoria de habitus de Pierre Bourdieu (1989). Esta teoria sublinha que os indivíduos incorporam ou interiorizam um sistema de disposições2, no processo de socialização, que orienta as suas práticas, as suas escolhas e as suas acções. Isto significa que os homens, em virtude da socialização, têm tendência para serem dominadores e agressivos enquanto as mulheres procuram ser obedientes e passivas, não pela sua natureza, mas porque foram ensinadas a se comportarem desta forma.
A sociedade, muitas vezes, considera os homens que conseguem manter a obediência das esposas como verdadeiros homens e as mulheres obedientes como esposas ideais. A luta pela igualdade de género é, acima de tudo, o processo de inversão dessa tendência normalizada e naturalizada, isto é, o desafio de todos os valores tradicionais que estruturam as desigualdades de género, naturalizando-as.
Articulamos três conceitos principais que são: género, patriarcado e poder. A definição e discussão desses três conceitos permitiram-nos concluir que as diferenças de género não têm nada de determinante biológico ou natural, o que contraria as representações sociais. O aspecto natural que estas assimetrias ganham é resultante do processo de construção da identidade masculina e feminina que ocorre durante o percurso biográfico de homens e mulheres e do tipo de percepções que vão adquirindo nesse contacto com outros grupos. É dentro deste percurso histórico e social que os indivíduos vão assimilando valores e práticas patriarcais que vão permitir a reprodução automática das desigualdades, mas sempre dentro de um ambiente de “correlações de forças e de afrontamentos” (Foucault, 1984: 34) em que homens e mulheres podem assumir, em função das circunstâncias ou das situações, e com base no uso do poder económico e intelectual que se resume em honra e prestígio, posições de dominados/as e dominadores/as.
Divisão sexual de trabalho e representação dos papéis conjugais
Os resultados da pesquisa, resultantes da recolha e discussão dos dados, mostram que o facto de se ensinar que os trabalhos domésticos são naturalmente para as mulheres, socialização esta baseada em papéis sociais transmitidos durante a educação de homens e mulheres, faz com que as esposas sejam obrigadas ou se sintam obrigadas a se responsabilizarem por essas funções domésticas. Elas são vistas, por exemplo, como, pela sua natureza, talentosas. Por sua vez, os homens são tidos como naturalmente desastrosos na cozinha. Essa situação permite que toda a carga de trabalhos domésticos recaia sobre as mulheres, o que as impossibilita de descansar e gozar de lazer.
Os trabalhos realizados pelos homens ligados à manutenção de electrodomésticos (aparelhagens de sons, fogão, ferro de engomar, lâmpadas), embora na esfera doméstica, não são tidos como domésticos. Estas funções são mais valorizadas socialmente, atribuindo honra e prestígio aos homens, contrariamente às mulheres que são desqualificadas pala sociedade por se dedicarem a trabalhos vistos como leves e fáceis. Isto significa que não são os trabalhos domésticos em si que não têm valor social mas sim o conjunto de representações inferiorizantes que se tem dessas tarefas e das pessoas que frequentemente as fazem, as mulheres. Por isso, Camacho (2001) defende que tudo aquilo que é representado como masculino ganha mais valor e prestígio social.
Ao nível das representações familiares, partilha-se a ideia de que uma mulher pode estudar e trabalhar, mas tem de saber, acima de tudo, cozinhar, cuidar dos filhos e da casa. Por outras palavras, ela tem de ser excelente mãe e esposa mais do que estudar e trabalhar. Caso contrário, ela pode ser tida como não mulher, longe do padrão de mulheres valorizadas pela sociedade.
Por causa disto, por um lado, a igualdade de género é tida como atingida pela possibilidade, por exemplo, de mais mulheres terem acesso ao espaço público. Por outro lado, todo o comportamento que procura inverter os papéis de mãe e esposa, vistos como fundamentais para a estabilidade conjugal, é representado como desviante, promotor da instabilidade conjugal e de divórcios. A entrevista a seguir é reveladora: “a minha primeira relação terminou por causa, eu acredito, da minha excessiva abertura aliada aos pressupostos do conceito da emancipação. Gosto que as coisas sejam discutidas no verdadeiro sentido da palavra” (esposo 3). Sendo assim, aceita-se que as mulheres trabalhem e estudem mas não se permite que isso as impossibilite de desempenharem com zelo e dedicação os chamados seus deveres domésticos. Os depoimentos seguintes são ilustrativos: “deixei de trabalhar mais por uma questão de estudo. Precisava de continuar com os estudos e houve uma fase em que o estudo e o trabalho já não eram compatíveis com os deveres de casa, então tive que deixar o trabalho para poder conseguir continuar com os estudos e cuidar da casa” (esposa 1 e 2).
Está aqui a restrição das mulheres ao espaço doméstico e aos trabalhos domésticos apesar de se aceitar a sua visibilidade no espaço público, espaço este historicamente construído como exclusivamente masculino. Isto deve-se não só aos papéis incorporados pelas mulheres mas também à imposição masculina.
O facto de os papéis de mãe e esposa serem tidos como fundamentais para a estabilidade conjugal, o comportamento feminino que desafia essas percepções é tido como estranho e, por conseguinte, desviante. Isto porque “regras sociais definem situações sociais e os tipos de comportamentos a elas, especificando algumas acções como ‘certas’ e proibindo outras como ‘erradas'” (Becker, 1976: 53).
Paralelamente a essa situação, as mulheres são culpabilizadas pela situação de desigualdade em que vivem pelo facto de se considerar que elas exigem a igualdade em situações em que saem a ganhar e negam essa mesma igualdade em situações em que saem a perder, como deixou transparecer um informante: “(…) acaba de facto ficando-se numa sensação de que há situações em que as mulheres exigem igualdade e outras não” (esposo 3). Neste aspecto constatamos a instrumentalização da igualdade de género para reproduzir a dominação masculina e a desqualificação feminina.
Esta situação revela a prevalência de estratégias masculinas para manter a divisão do trabalho com base no sexo de cada indivíduo, uma das justificativas apeladas pela sociedade para restringir as mulheres ao espaço doméstico e às tarefas domésticas. Uma vez que estes trabalhos não são valorizados socialmente, garantem a discriminação e dominação das mulheres.
Acesso e Controlo de Recursos
Fizemos referência na introdução a que trabalhámos com casais onde ambos os cônjuges têm ou frequentam ensino superior e um emprego remunerado. Isto significa que, no final de cada mês, homens e mulheres auferem um certo rendimento monetarizado. Estes rendimentos são destinados ao pagamento de diversas despesas. As modalidades utilizadas para as custear variam em função do critério de gestão adoptado por cada casal.
Constatámos basicamente dois tipos de critérios de gestão dos rendimentos adoptados pelos casais. Um deles consiste no seguinte: no final de cada mês, faz-se o somatório dos rendimentos da esposa e do marido. Depois de se inventariar as despesas mensais procede-se à repartição do valor monetário. Uma parte é depositada numa conta conjunta para projectos a curto ou longo prazo (compra de terrenos, móveis e construção de moradias, por exemplo), a outra é reservada para despesas correntes (pagar água e energia e compra de produtos alimentares), o remanescente é repartido pelo casal para uso pessoal. Esta última parte do dinheiro é utilizada de forma diferente por homens e mulheres. As mulheres gastam mais no pagamento de despesas que não foram previstas, na cozinha, na compra de material decorativo da casa, na compra de presentes para o marido e de crédito enquanto os homens investem mais em crédito e em “copos”3 com amigos. Estão aqui patentes as estratégias masculinas para controlar e gerir os rendimentos das esposas porque elas acabam por ficar sem possibilidade de utilizarem livremente os seus fundos para seu interesse.
O outro critério de gestão consiste na partilha de despesas pelo casal onde cada cônjuge se responsabiliza pelo seu pagamento. Esta partilha não é igualitária, uma vez que às mulheres é reservado o pagamento de despesas que não lhes conferem prestígio social e as remete à domesticidade e à dominação, como ilustram as entrevistas seguintes: “geralmente ajudo em pequenas coisas lá em casa, na alimentação, faço alguns pagamentos, coisinhas assim leves (esposa 1). A outra entrevistada acrescentou: “gosto de arranjar algumas coisas aqui dentro de casa, mas coisas pequenas, aquelas despesas simples de casa: lembrancinhas para a cozinha, compro panelas, tapete para a sala, o que der para comprar, aquilo que estiver mal dentro de casa” (esposa 3). Como se pode constatar, estes produtos não são duráveis nem merecedores de prestígio social.
Por seu turno, os homens ocupam-se da aquisição de bens duráveis como terrenos, moradias, mobília e electrodomésticos. Estes bens além de duráveis conferem-lhes honra e prestígio e, muitas vezes, são registados em seu nome, justificando-se que tudo o que está em nome do marido também é da esposa.
Por exemplo, três (3) dos seis (6) cônjuges, por nós entrevistados, possuem terrenos destinados à construção de moradias em alguns bairros da cidade de Maputo e da Matola e, todos eles estão registados em nome dos maridos. Notamos aqui a instrumentalização da noção de comunhão de bens para garantir aos homens o controlo de recursos que lhes conferem honra e prestígio. Isto significa que, apesar de, em caso de divórcio, haver possibilidade de partilha de bens, enquanto isso não acontecer, a mulher tem pouco poder de expressão, sendo, frequentemente, incapaz de negociar por mais igualdade no dia-a-dia da vida conjugal.
Este segundo critério, apesar de revelar estratégias femininas de resistência ao poder masculino já que as mulheres não revelam aos maridos o montante que auferem mensalmente e nem as suas poupanças, acaba por não surtir o efeito desejado dado que os maridos conseguem exercer indirectamente o controlo sobre os rendimentos das esposas por lhes negarem a possibilidade de comprarem bens valorizados pela sociedade.
Exercício da Sexualidade e Reprodução
A sexualidade e a reprodução, ao nível das relações conjugais, são reguladas ou estruturadas com base nos valores e normas sociais. Essas normas e valores definem os papéis ou comportamentos sexuais e reprodutivos, determinando o que um homem e uma mulher podem falar, desejar ou expressar sobre o sexo e a reprodução.
Um aspecto interessante a realçar é que, dificilmente, as mulheres expressam o seu nível real de realização sexual nem determinam o número de filhos que gostariam de ter. Elas afirmam que é decepcionante para um homem ouvir de uma mulher que não está satisfeita sexualmente. Isto porque “o acto sexual é concebido pelos homens como uma forma de dominação, de apropriação e de posse. O prazer masculino é, em parte, prazer do prazer feminino, do poder de dar prazer” (Bourdieu, 2002: 17-18). Por isso, segundo o mesmo autor, muitas vezes as mulheres simulam um falso orgasmo para corresponderem à expectativa dos homens e evitarem a decepção masculina.
Esta situação deve-se ao facto de homens e mulheres olharem para a sexualidade de forma diferente. As mulheres são socialmente preparadas para viverem a vida sexual como uma experiência íntima e fortemente carregada de afectividade que não inclui necessariamente a penetração, mas que pode englobar um vasto leque de actividades (como falar, tocar, acariciar e abraçar), enquanto os rapazes são ensinados a conceber a sexualidade como um acto agressivo e violento orientado para a penetração e para o orgasmo (Bourdieu, 2002).
A construção compartimentada da sexualidade e a sua utilização como instrumento de dominação pode ser uma das razões por que os homens disseram que poucas vezes se teriam sentido forçados a manter uma relação sexual, como revelam as seguintes entrevistas: “forçado a fazer sexo!!! Quem me dera que me forçassem. Sempre estou disposto. A não ser que esteja doente” (esposo 2). Outro entrevistado acrescentou: “eu sempre procuro garantir que eu e a minha esposa estejamos dispostos para o acto sexual” (esposo 3).
Esta constante disposição para o sexo, embora as esposas tenham dito que, por vezes, os maridos não se encontram disponíveis, é uma expressão de poder, ao procurarem mostrar que têm sempre força para manter uma relação sexual. Isto autoriza-nos a afirmar que o acto sexual não é só um momento de “troca de prazeres”, de demonstração de intimidades e de carinho, mas também uma oportunidade de exibição de força, de poder e de afirmação da masculinidade.
Todas as mulheres e, raras vezes, os homens, afirmaram que já se sentiram influenciadas/os a manter uma relação sexual indesejada: “o meu marido nunca me obrigou a fazer sexo, mas há sempre aqueles dias em que não me apetece. Ele vem, seduz-me e acabo cedendo” (esposa 1, 2, 3, 4, 5 e 6). O termo “seduzir” pode esconder uma acção de violência sexual e psicológica reveladora de desníveis no exercício da sexualidade ao nível das relações conjugais.
O facto de os maridos se zangarem, ficarem mal-humorados e em silêncio quando as mulheres não estão dispostas a manter uma relação sexual pode aparecer como uma estratégia camuflada de poder para coagirem as mulheres a satisfazerem a sua vontade. O aspecto facial revelou-se na interacção dos casais que entrevistámos, como um jogo psicológico utilizado pelos homens para alcançarem os seus interesses. Podemos falar aqui da sofisticação da violência psicológica.
Relativamente à reprodução, “o casamento mais do que instituir uma relação conjugal, institui precisamente uma relação de filiação legítima” (Sarraceno, 1992: 82). Ou seja, a expectativa social quando duas pessoas se casam é ver filhos resultantes dessa união e essa descendência é tida como legítimos do casal. Segundo a mesma autora, “um casamento só é efectivamente cumprido quando a mulher se torna mãe. Antes disso, ela pode ser devolvida à família sem formalidades especiais e, na ausência de filhos, pode ser repudiada” (Sarraceno, 1992: 82).
Está aqui em Sarraceno, a culpabilização das mulheres pela ausência de filhos numa relação conjugal. Das informações colectadas, embora com pouca frequência, pudemos notar a prevalência das representações que olham para a figura feminina como a culpada pela ausência de filhos num casal.
As entrevistas que se seguem sustentam esta constatação: “se não pudéssemos ter filhos eu acho que recorreria ao divórcio” (esposo 5). Outro acrescentou: “(…) não!!, acha que se não pudéssemos ter filhos ia fazer fora4? não, íamos adoptar” (esposo 2). “Se não pudéssemos ter filhos, não aceitaria que o meu marido saísse fora”5 (esposa 3). Estes depoimentos podem mostrar não só a culpabilização das mulheres pela ausência de filhos numa relação conjugal, mas também a incorporação dessa “verdade” pelas mulheres, apesar de elas não aceitarem que os maridos tenham filhos com “a outra”6 ou, pior ainda, serem a primeira esposa, por existir a segunda.
Grande parte das mulheres afirmou que desejava ter três (3) filhos. Embora alguns homens tenham concordado com as esposas sobre o número de filhos, é necessário sublinhar que outros divergiram das parceiras ao afirmarem, quando interrogados sobre como é que reagiriam se as parceiras desejassem ter menos filhos, que iriam recorrer ao diálogo até as convencerem.
A expressão “recorrer ao diálogo até convencer…” dá a entender que o diálogo é promovido não com o intuito de se chegar a um consenso de uma forma livre e consciente, mas como uma maneira de legitimar decisões previamente tomadas. Podemos falar aqui de uma falsa igualdade nesse tipo de situações entre casais.
Se o diálogo, como critério de tomada de qualquer decisão, sublinhado pela maioria dos homens, pode transparecer a existência de uma consciência, ao nível das relações conjugais, de que as mulheres têm direito a decidir sobre o número de filhos que desejam ter, esse reconhecimento é teórico porque, na prática, a vontade masculina acaba prevalecendo, embora não imposta de uma forma explícita.
Gestão de Tempos Livres e de Lazer
Raras vezes, as mulheres por nós entrevistadas, gozam momentos de lazer. Por um lado, porque a sua rotina diária é muito apertada e quando chegam aos seus aposentos têm de cuidar dos afazeres de casa. Por outro lado, nos finais de semana, toda a carga dos deveres domésticos recai sobre elas porque as empregadas são dispensadas e os maridos não ajudam. Por isso, nesses dias as mulheres ficam cansadas e não conseguem, muitas vezes, colaborar com os maridos, como ilustram as seguintes entrevistas: “(…) chegada a noite só me apetece dormir. Por vezes o meu marido quer passear e/ou ir para a cama comigo, eu nem estou aí. Mas, se dividíssemos as tarefas, teria muito ânimo e força para fazer isso tudo” (esposa 3 e 6).
Além disso, constatámos que existe um certo tipo de pessoas cuja companhia alguns esposos dizem não ser aconselhável para as esposas. Por exemplo, no caso de um passeio nocturno com muitos homens. Para eles, nessas circunstâncias, as mulheres estão numa situação de vulnerabilidade, necessitando sempre do controlo masculino. Nos casos em que as esposas saem com amigos, na companhia dos maridos, elas afirmaram que o convívio é muito restrito principalmente por causa dos ciúmes destes. Esta é a razão por que as mulheres disseram que, quando passeiam com amigos, evitam a companhia dos esposos como uma forma de fugir ao controlo masculino.
Além disso, entre as mulheres, o nível de contacto com as suas amizades, famílias de origem e outras afins, diminui grandemente com o casamento ou união. A representação do espaço conjugal, como de papéis bem definidos cujo cumprimento é indispensável para a estabilidade conjugal, e o controlo masculino contribuem grandemente para isso. Ou seja, o espaço conjugal é tido como de ruptura com a forma de ser anterior ao casamento ou à união. As entrevistas a seguir são demonstrativas: “(…) geralmente visito os meus amigos/amigas. Fico o tempo que quiser desde que isso não ponha em causa as minhas responsabilidades como mãe e esposa” (esposa 1, 2, 3 e 6).
Conclusão
A igualdade de género e a emancipação das mulheres que os discursos oficial e conjugal procuram veicular em relação às mulheres com recursos financeiros e intelectuais é aparente porque, no dia-a-dia dos casais, as mulheres vivem numa situação de desigualdade. São elas que cuidam de quase todos os afazeres domésticos, dificultando a necessidade de gozarem do direito de lazer, para além de não terem possibilidade de decidirem sobre o número de filhos e de prevalecer a violência sexual e psicológica no quotidiano das convivências conjugais. Esta situação tira às mulheres o direito de controlarem o seu próprio corpo e as suas próprias vontades sexuais e reprodutivas.
Isto significa que a socialização patriarcal, que define e superioriza os homens em relação às mulheres, continua prevalecente e se manifesta através de discursos e práticas no quotidiano das interacções conjugais. Neste contexto, podemos questionar a plausibilidade do discurso oficial que defende a visibilidade feminina sem pôr em causa a estrutura social que perpetua o patriarcado, o fundamento da subalternização feminina. O facto de as mulheres terem a possibilidade de estudar e trabalhar não é suficiente para que vivam numa situação de igualdade de género. É necessário que homens e mulheres sejam ensinados a pensar e a agir de outra maneira através da desmistificação dos mitos, valores e tradições que produzem ideologias, discursos, representações e práticas que perpetuam a dominação.
- Este artigo baseou-se numa monografia elaborada para a obtenção do grau de Licenciatura em Sociologia pela Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de Letras e Ciências Sociais, defendida a 2 de Abril de 2009.
- A tendência para uma pessoa ou grupo de pessoas falarem e/ou agirem de uma certa maneira em função da educação recebida.
- Expressão utilizada pelos cônjuges para se referirem ao consumo de bebidas alcoólicas.
- Isto é, acredita-se que a culpa não é do marido e sim sempre da esposa.
- Esta mulher acredita que se houvesse problema de infertilidade a culpada seria ela.
- Expressão utilizada pelas esposas para se referirem a uma amante ou provável amante do marido.
Referências Bibliográficas:
BOURDIEU, Pierre (1989), O poder simbólico. Lisboa: Difel.
———- (2002), A dominação masculina. Lisboa: Gradiva.
BECKER, Howard (1976), “Marginais e desviantes”. In: Howard Becker, Uma teoria da acção colectiva. Rio de Janeiro: Zahar. (Cap. 3, p. 52-85).
CAMACHO, Rosália (2001), A igualdade em tempos de género. In: Alda Facio (Coord). Declaración Universal de Derecho Humano: Texto y Comentarios universales. Costa Rica.
FOUCAULT, Michel (1996). Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal (12ª ed.).
SARRACENO, Chiara (1992). Sociologia da família. Rio de Janeiro: Atlas.