DEIXANDO CAIR O VÉU…
A violência doméstica contra as mulheres na comunicação social
Um dos aspectos que explicam a persistência de um fenómeno como a violência doméstica contra as mulheres é a sua invisibilidade, que assenta tanto na sua legitimidade social quanto no silêncio das vítimas. Esta legitimidade, fundada em valores socialmente partilhados sobre hierarquias de género e sobre a aceitabilidade do uso de violência contra as mulheres no âmbito de uma relação de conjugalidade, implica que pouco ou nada se fale e ainda menos se denunciem situações de agressão a este nível. Por isso, uma das estratégias que desde há muito movimentos sociais de luta pelos direitos humanos das mulheres têm adoptado (veja-se os planos e programas de ONGs femininas tanto em Moçambique como na África Austral) é a de trazer a público as várias formas de violência que ocorrem longe das vistas, dentro de casa ou na calada da noite, com vista a desvendar a terrível realidade que se esconde por detrás de muitos casais aparentemente harmoniosos.
Esta estratégia de exposição e de denúncia de casos de violência doméstica contra as mulheres visa criar uma consciência e sensibilização pública para um problema que a sociedade tem persistentemente ignorado, como base para as reivindicações de medidas legais e outras visando combater o problema.
Assim, tem sido com bastante satisfação que temos registado como, nestes primeiros meses do ano de 2009, alguns jornais têm noticiado vários episódios de violência doméstica, em contraposição a anos anteriores, onde estes casos não tinham sequer o estatuto de notícia, de tão naturalizados.
Esta exposição pública tem causado bastante comoção ao nível da cidade capital, Maputo, que é a realidade que conhecemos, e levou alguns comentaristas e outros cidadãos/cidadãs, a considerar que se está perante um aumento da violência doméstica contra as mulheres. Embora não tenhamos dados para refutar essa suposição, convém lembrar que muito possivelmente este índice de violência doméstica sempre existiu, mas que só agora se tornou mais visível.
Vejamos só alguns dos casos reportados:
“Músico Taba Zily detido na 5ª Esquadra da Polícia”
“O jovem músico moçambicano Custódio Nhantumbo, mais conhecido por Taba Zily, foi detido na tarde desta sexta-feira na 5ª Esquadra da Polícia, por ter espancado violentamente a sua esposa, apesar de esta estar grávida. Segundo apurou o nosso jornal naquela unidade policial, o facto deu-se na madrugada desta sexta-feira na sua própria residência (no bairro da Matola 700). Segundo explicou a mulher violentada, (…) tudo partiu de uma briga que teve como ponto central o facto de na residência do casal frequentarem amigas suas.
Taba Zily é um jovem sobejamente conhecido nos bairros suburbanos pelo seu estilo musical que retratando a vivência nos subúrbios de Maputo acaba conquistando muitos fãs da classe social baixa.”
Fonte: O País, 23/01/2009
“T3 – Matou a esposa à catanada”
“Uma mulher cujo nome não foi possível colher perdeu a vida vítima de esquartejamento, num cato cometido pelo próprio marido, alegadamente para reivindicar o facto de esta não ter regressado de uma festa aonde tinha ido com um grupo de amigas. (…) Informações da PRM através do Comendo Provincial de Maputo, indicam que tudo começou no último domingo quando a malograda foi a um encontro de comadres, vulgarmente chamado xitique, não tendo regressado na data prevista. (…)
O caso foi denunciado na esquadra da zona, de onde foi ordenada a detenção do autor do crime que, neste momento, está a contas com a autoridade”.
Fonte: Notícias, 5/02/2009
“Agressor ameaça família da jovem espancada”
“A família da jovem que foi espancada pelo namorado diz que está a ser alvo de ameaças do mesmo, apesar de já se encontrar detido na 3ª esquadra da PRM a nível da cidade de Maputo. (…) Segundo informações do pai da vítima, Silvestre Bila terá espancado a namorada usando aquele instrumento (um descodificador de televisão) cem vezes, segundo o laudo médico, facto que causou graves ferimentos à vítima nas mãos e na cabeça, porque a mesma terá usado os seus braços para proteger a sua cabeça dos fortes golpes desferidos pelo agressor.
A nossa equipa de reportagem dirigiu-se à esquadra na tentativa de ouvir a versão de Silvestre Bila sobre o caso, mas a polícia não deixou, depois de mais de uma hora de espera, alegando que não pode permitir que a imprensa fale e tire imagens do agressor, por tratar-se de um indivíduo casado e que a vítima era a sua segunda esposa.
Referir que Silvestre Bila não só espancou a sua namorada, como também ao jovem que suspeita ser amante da vítima e seus pais. (…)”
Fonte: O País, 18/02/2009
“Mais um jovem espanca violentamente sua parceira”
O suposto agressor está sob custódia policial
“Um jovem que responde pelo nome de Pedro Fernando, de 23 anos de idade, espancou violentamente uma cidadã (…), por sinal sua esposa [mãe de dois filhos], residente no bairro Albazine, arredores da cidade de Maputo. (…) A fonte conta que a acção criminosa deu-se na localidade de Panjane – distrito de Magude, agressão esta que resultou num grave trauma facial.
Segundo a vítima, o suposto agressor apoderou-se, após a agressão, de um valor monetário estimado em cerca de 5 mil meticais, um telemóvel e uma pasta contendo algumas peças de vestuário pertencentes ao filho de 3 anos de idade, que na altura dos golpes se encontrava na companhia da mãe.
Neste momento, o suposto agressor encontra-se nas mãos da Polícia do Comando Provincial da PRM afecto naquele distrito, aguardando pelo julgamento do caso.”
Fonte: O País, 20/02/2009
Esta “explosão” de casos de violência doméstica nos media provocou reacções várias, nomeadamente de Lázaro Mabunda, jornalista do O País, que atacou com particular agressividade as organizações de luta pelos direitos humanos das mulheres, que estão na origem de uma proposta de lei já entregue ao Parlamento (veja mais adiante nesta edição). Entretanto, outras vozes manifestaram a sua indignação, quer em jornais, quer em blogs, repudiando que em pleno século XXI continuem a ocorrer situações de tão grave violência contra as mulheres.
Esta consciência pública contra a violência doméstica, que é um dos mais graves atentados aos direitos humanos das mulheres, representa um grande avanço que se deve valorizar. Assim se estão a criar as condições para que a igualdade de género se possa efectivamente concretizar, deixando de ser letra morta em planos e em discursos oficiais.
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