Chiluva, nome de flor, de mulher e de… preservativo
Maria José Arthur
Publicado em “Outras Vozes”, nº 5, Novembro de 2003
Fomos um dia destes contactadas por uma leitora do Outras Vozes, que nos colocou como preocupação o facto da nova marca nacional de preservativo se chamar “Chiluva”. Chiluva, que sempre foi nome de flor e de mulher, é agora também a designação comercial de um preservativo.
Já nos tínhamos habituado a ouvir e a ver as campanhas publicitárias em que homens e mulheres diziam ser necessário “ir com Jeito” (a marca de preservativo bem conhecida por todos), invocando assim uma decisão conjunta. Agora, com a nova marca, se calhar vamos ver e ouvir homens a dizerem que “nunca se separam da sua Chiluva”. Jogando então com um trocadilho entre a Chiluva-mulher e a Chiluva-preservativo. Não só não se entende como também nos desgosta. Uma mulher não é um preservativo. Uma mulher não é um objecto para o prazer sexual.
O preservativo é um dispositivo para ser usado nas relações sexuais e serve tanto de protecção para as DTS/SIDA, como de meio anticoncepcional para evitar a gravidez. E as relações sexuais devem ser praticadas entre indivíduos conscientes do que fazem e com base num mútuo consentimento. Homens e mulheres devem poder escolher os seus parceiros, devem poder decidir se e quando querem ter relações sexuais. Têm ambos direito ao sexo seguro, sem receios nem medos. Têm direito ao carinho e ao prazer.
No entanto, não é por acaso que as campanhas de educação que apostaram na consciencialização das mulheres para incrementar o uso do preservativo não estão a ter muito resultado. E a razão para tal insucesso é que nas nossas sociedades a sexualidade é construída de modo a dar aos homens a possibilidade de controlar a vida sexual, a sua e a da(s) parceira(s). O que é o mesmo que dizer que, no casamento – e por extensão no namoro -, a mulher deve estar sempre disponível, porque é ao homem que compete decidir como e quando deve ser conduzida a vida sexual de ambos os parceiros. Assim, segundo as normas vigentes, o sexo para as mulheres é potencialmente coercivo. Potencialmente coercivo quer dizer: o marido tem direito a exigir serviços sexuais por parte da esposa, o que é socialmente aceite, inclusive no Código Penal em vigor. Por isso, a figura “violação no casamento” não existe ainda na lei. Este poder masculino obviamente que inclui a decisão de usar ou não o preservativo porque, em última instância, é o homem que tem a palavra. Não estamos a negar a existência de casais em que ambos decidem em conjunto a sua vida sexual. Afirmamos simplesmente que segundo o modelo dominante, um homem não precisa do consentimento da sua parceira e pode dispensá-lo. Isso faz parte das suas prerrogativas. Por isso, consciencializar simplesmente as mulheres não basta, é preciso dar-lhes poder.
É assim que, na prática, o preservativo é masculino não só porque está adaptado ao órgão sexual masculino, mas também porque são os homens quem decidem do seu uso ou não. Então, porque é que se dá um nome feminino a um preservativo masculino para ser usado por homens? O que vem a Chiluva fazer no meio disto? Porque não chamá-lo de Mateus, de Cossa ou de Filimone?
Juntamo-nos à indignação suscitada pela escolha deste nome para marca comercial de um preservativo masculino. Solidarizamo-nos com as Chiluvas mulheres, que como cidadãs merecem todo o respeito a que têm direito e que se repugnam pelo uso que se está a fazer do seu nome. Lamentamos que os responsáveis por esta decisão insultuosa e de mau gosto não tenham buscado referências que não sejam atentatórias à dignidade das mulheres.