Assédio sexual e violação nas escolas
Recortes de Imprensa
Maria José Arthur
De entre todo o tipo de violência que se comete contra as mulheres, não existe nada de tão infame como molestar sexualmente ou violar uma criança que está mais vulnerável, que espera de um adulto protecção e que fica assim traumatizada para o resto da vida. Mais grave ainda é que os que cometem este tipo de actos são normalmente adultos próximos das suas vítimas, tais como familiares, vizinhos ou professores.
Quando a agressão sexual das crianças acontece na escola, que deve educar e orientar para a vida, nós todos, as crianças, os seus pais e a sociedade sentimo-nos traídos. Até porque muitas vezes o crime é exposto, inclusivamente na rádio, televisão e jornais, e, ao que se sabe, nenhuma medida é tomada para travar os agressores.
No jornal Notícias de 23 de Junho de 2001, um artigo com o título “Professor seduz e viola alunas em Gaza”, dá conta de mais um repugnante episódio deste tipo:
“Quatro alunas de idades compreendidas entre os 11 e os 12 anos foram, no ano passado, seduzidas e violadas pelo seu professor em Mabawane, a cerca de 50 quilómetros da localidade de Chimpenhe, no distrito de Xai-Xai, em Gaza, segundo uma fonte daquela comunidade.
O caso, que está a agitar a comunidade, foi confirmado pelo actual director da Escola Primária de Mabawane, Arthur Wamusse. Wamusse disse que uma das raparigas violadas teve que ser enviada ao hospital para tratamentos na sequência dos ferimentos resultantes da violação sexual.
Estranho no meio de toda esta história invulgar é o facto de o professor Z.C. continuar a dar aulas e a assumir as funções de director que vinha exercendo, mas já numa outra escola. (…)
Conta-se na comunidade que depois do seu primeiro incidente, Z.C. foi transferido para Mainguelane, situada na mesma localidade de Mabawane onde de novo se envolveu com duas alunas menores, segundo confirmou Wamusse. “De Mainguelane, Z.C. foi movimentado para Chiconela. Não sabemos como se comportou lá, mas a verdade é que foi de novo transferido para Tetene, posto administrativo de Chongoene, onde se encontra até agora a desempenhar as mesmas funções”, disse Wamusse.
A Direcção Provincial de Educação de Gaza que, em finais de Maio, disse à AIM não ter conhecimento do assunto, confirmou quarta-feira última, três semanas depois, que as transferências do professor surgem como resultado do seu envolvimento com alunas menores.
“Mandei uma equipa para trabalhar no terreno e, a partir dos argumentos do próprio professor, consideramos existir material suficiente para concluir que ele se envolveu com as raparigas”, disse Baptista Manhenje, chefe do Departamento de Recursos Humanos na Direcção Provincial de Educação de Gaza.”
Perante esta informação, um cidadão revoltou-se e expressou, nas páginas do mesmo jornal, a indignação que todos sentimos:
“A informação que li no jornal “Notícias” do dia 23 de Junho corrente, segundo a qual um professor violador de menores continua a “passear a sua classe de violador” em diferentes escolas do nosso país, atravessou-me a garganta e o coração. (…)
Como foi possível deixar um incidente como este tão visível e descaradamente impune? Perguntamos nós! Como foi possível uma instituição educadora fazer “vista grossa” a tamanha barbaridade? Como pôde um país inteiro com 26 anos de independência não ter um destino claro para um crime desta natureza?
Exigimos e aguardamos com a paciência quase esgotada, que tal professor violador, e os seus imitadores que sabemos existirem às dezenas deambulando pelas instituições de ensino, sejam exemplarmente punidos com a merecida expulsão do Aparelho de Estado e com alguns anitos de cadeia intensamente vividos.
Esta violação impune foi, provavelmente, umas das piores publicidades que já se fez da escola e da classe adulta, de quem se espera maturidade, responsabilidade, sensibilidade, amor e carinho. Foi uma traição à raça humana. Foi uma punhalada nas costas do futuro do país.” (Notícias, 27 de Junho de 2001, “FALAR POR FALAR – Professor Violador?)
Mais recentemente, a 9 de Março de 2003, no telejornal das 20h00 da TVM, foi passada uma reportagem sobre algumas alunas grávidas em escolas da cidade de Maputo que reclamam ter sido compulsivamente transferidas para o curso nocturno por decisão da direcção da escola, por terem engravidado. O repórter entrevistou o Director Provincial de Educação em Maputo, que afirmou que a ocorrer, esta prática seria ilegal, pois não há nada nos regulamentos que autorize tal medida1.
Estes dois casos, infelizmente não isolados, são reveladores da maneira como se tem vindo a lidar com as agressões sexuais de menores nas escolas. É bem certo que o Código Penal tem algumas lacunas legais quando se trata de crimes deste tipo2, mas não se compreende que ainda não exista um regulamento interno da instituição, como confirma o Director Provincial de Educação da província de Maputo, quando interrogado pelo repórter da TVM.
No entanto, a ausência de um regulamento não explica o caso do professor que, em Gaza, viola sucessivamente as suas alunas e, também sucessivamente, vai sendo transferido de escola para escola. Aqui já se trata de complacência. Complacência das autoridades que devem resolver o problema e que parece não acharem que a agressão sexual às meninas seja um crime grave. Pelo menos é esta a conclusão a que podemos chegar quando sabemos deste e de mais outros casos que ocorrem nas escolas por todo o país. Mais grave ainda, temos a certeza de que só é noticiada uma ínfima proporção dos crimes que realmente se cometem.
Num momento em que o Governo decidiu como prioridade no campo da educação garantir a igualdade de acesso à escola a rapazes e raparigas, como explicar que a realidade escolar para a menina se mantenha tão hostil e perigosa, perante a passividade de quem tem o dever de intervir? Qual é a coerência de se investir tanto no Projecto de Educação da Rapariga, aliás de maneira muito séria e exemplar, quando simultaneamente se permitem que situações destas aconteçam e que os agressores saiam impunes? Não só se trata de um contrasenso, mas também de uma séria violação dos direitos humanos, que deve ser resolvida pelas instâncias judiciais. Para dizer de forma directa, “é um caso de polícia”!
Na mesma reportagem da TVM (9/3/2003), o repórter citou a “vizinha África do Sul”, onde, segundo ele, 1 em cada 3 alunas do ensino secundário engravida, muitas vezes dos próprios professores. Informou ainda que os professores casados que engravidam as alunas são expulsos. Só que esta informação está incorrecta, porque as medidas tomadas lá são muito mais radicais. Como se pode ver pelo artigo publicado no jornal sul-africano Saturday Star, de 8 Março 2003 (“No mercy for teachers in sex cases”), doze professores foram exonerados e não poderão jamais exercer a profissão, por se terem envolvido sexualmente com estudantes suas, independentemente do seu estado civil, porque aos solteiros não se reconhece liberdade para molestarem e violarem à vontade! O próprio Ministro de Educação, Kader Asmal, explica que os crimes de agressão sexual são considerados gravíssimos por parte de quem tem o dever de educar e de proteger e que, por isso, independentemente dos procedimentos criminais, o seu Ministério toma medidas muito firmes para acabar com tais crimes.
É tempo também do nosso Ministério de Educação romper com a prática escandalosa de penalizar as alunas menores que engravidam. Nos anos 70, as estudantes que engravidassem eram expulsas da escola. Sem apelo… Mais tarde atenuou-se a severidade desta medida, passando elas a serem transferidas para o curso nocturno. Os co-responsáveis pela gravidez, tanto colegas como professores, ou não sofriam nenhuma sanção ou pelo menos tão pesado castigo. Só que esse regulamento que autoriza tais medidas não existe. Assim o confirma o DP de Educação na entrevista que deu à TVM. Então porque não se proíbe terminantemente essa discriminação contra as jovens raparigas nas escolas? Porque se fecham os olhos enquanto tal prática se mantém na maioria das escolas do país?3
Repetimos: a agressão sexual de menores é uma das mais graves violações dos direitos humanos e cria problemas para o desenvolvimento e na vida futura das vítimas. Estes actos devem ser criminalizados e são mais graves quando o agressor é alguém, como o professor, que tem responsabilidades em relação aos seus educandos. A escola não pode continuar a ser um lugar perigoso para as meninas.
O Ministério da Educação conhece o problema. Existem os meios para resolvê-lo ou, pelo menos, para começar a actuar. Se não se fizer nada é porque se trata de cumplicidade ou de negligência criminosas.
- Sublinhado de nossa autoria.
- Veja-se o artigo “O crime de violação na legislação em Moçambique. Análise legal do disposto no actual Código Penal“, da autoria de Irene Afonso e publicado na edição anterior deste boletim (Outras Vozes, nº 2, Fevereiro de 2003).
- Vejam-se os dados do relatório “Políticas da desigualdade? Beijing + 5, Relatório das ONGs” (Maria José Arthur et al., 2000, Fórum Mulher).
Referências:
- “FALAR POR FALAR – Professor Violador?, Notícias, 27 de Junho de 2001,
- “No mercy for teachers in sex cases”, Saturday Star, 8 de Março de 2003
- “Professor seduz e viola alunas em Gaza”, Notícias, 23 de Junho de 2001