Breves
Artigo sobre violência doméstica deturpa os factos
Reagindo a uma reportagem sobre violência doméstica publicada no jornal Domingo de 15 de Janeiro, um grupo de organizações de defesa dos direitos humanos enviou uma carta ao semanário, que saiu na sua edição de 5 de Fevereiro.
Veja em seguida o teor da carta enviada. A nota foi publicado na edição de 5 de Fevereiro de 2012.
Exmo. Sr. Director do jornal Domingo
Em relação à reportagem “Violência doméstica: maridos espancados por ciúmes, sexo e dinheiro”, páginas centrais do jornal de 15 de Janeiro de 2012, solicitamos que se publique o presente texto como direito de resposta.
A reportagem quer demonstrar que em Moçambique a violência doméstica está a evoluir, no sentido de serem as mulheres a perpetrarem actos de agressão contra os seus maridos ou parceiros. Ora, uma leitura atenta mostra que a análise dos dados apresentados na reportagem não justifica esta tese, nem o título sensacionalista da reportagem.
Primeiro, há imprecisões em relação aos dados. A repórter menciona 85 casos em 2011, mas se olhamos para a natureza das queixas, totalizam 102 denúncias:
- 59 violência psicológica
- 25 violência social
- 12 agressão moral
- 6 espancamentos
Há bastante abuso na tipificação de certos comportamentos como violência psicológica: por exemplo, “a esposa perde respeito não só ao marido mas também a toda a família”. Esta descrição vaga refere-se, muitas vezes, a comportamentos não submissos das mulheres. Pode significar coisas que não configuram crime em nenhuma lei, desde não aquecer a água do banho para o marido, a sair de casa sem autorização.
A reportagem apresenta como sendo violência social o “abandono do lar por parte das parceiras e a expulsão de homens das suas residências”. O abandono do lar não se trata de crime nenhum. Qualquer pessoa, homem ou mulher, é livre de decidir continuar ou não numa relação. No segundo caso, expulsão, só haverá matéria para questões cíveis, como a partilha dos bens que o casal adquiriu em conjunto, assumindo que viviam em união de facto, o que pode não incluir a casa.
Se formos a ver a lei, violência social refere-se ao acto de controlo dos relacionamentos e a retenção no espaço doméstico (encarceramento). O uso deste termo na reportagem é incorrecto.
A reportagem também menciona agressão moral, o que não constitui nenhum crime tipificado na lei.
Finalmente, temos apenas 6 homens que em 2011 denunciaram ter sido fisicamente agredidos. Este é o grande aumento de violência e agressão física perpetrada pelas mulheres?
Comparado com a quantidade de mulheres espancadas pelos maridos, 6 é um número mínimo. Não é suficiente para evidenciar uma tendência, nem provar que a lei sobre a violência doméstica cria agressoras (que é o subtexto da reportagem).
Fica patente, na caixa titulada “Esposa mata marido com pilão”, que a maioria das agressões das mulheres sobre os parceiros surge como auto-defesa ou como resposta a um contínuo de violência. Aliás, isto é bastante repisado por Maria Sopinho, responsável regional dos Gabinetes de Atendimento. Mas o texto culpabiliza a mulher que actua em legítima defesa, após anos de agressão sistemática por parte do marido.
Para concluir, pensamos que esta reportagem é um mau exemplo de jornalismo: é sensacionalista e não apresenta dados consistentes, distorcendo e minimizando um problema grave – a violência doméstica exercida sobretudo pelos homens – que põe em risco a vida de muitas mulheres.
É importante que se escrevam matérias sobre a violência doméstica para sensibilizar a opinião pública, mas deve-se evitar manipular os dados e distorcer a realidade.
Assinam:
AMCS – Associação das Mulheres na Comunicação Social
AMMCJ – Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica
FORCOM – Fórum Nacional das Rádios Comunitárias
Fórum Mulher
LAMBDA – Associação de Defesa das Minorias Sexuais
MULEIDE – Mulher, Lei e Desenvolvimento
WLSA Moçambique – Mulher e Lei na África Austral
Sou coordenadora da organização LeMuSiCa(Levante-se mulher e siga o seu caminho) em Chimoio, trabalhando há 12 anos em prol da mulher,rapariga e criança, em particular vitima da violência domestica e sexual. Os nossos trabalhos do dia a dia são vastos e pesados em relação ao pessoa disponível. Por isso nem sempre conseguimos ler tudo que foi publicado mas sempre estamos interessados de incluir nos no futuro nas campanhas deste tipo e estamos prontos para assinar textos e comentários neste contexto.
Achia Camal Mulima
Coordenadora da LeMuSiCa