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Breves

A precariedade da situação das mulheres em Moçambique

03
Mar
2017

A propósito do dia 8 de Março, a autora, neste texto de opinião, comenta sobre os retrocessos e os problemas que as mulheres ainda encontram para usufruir dos seus direitos como seres humanos.


Texto de opinião

Numa altura em que nos aproximamos de mais um Dia Internacional das Mulheres (8 de Março), e porque entendemos que esta efeméride deve ser comemorada com luta e não festa, vale a pena dizer que o ano que passou revelou o quanto é precária a situação dos direitos das mulheres em Moçambique.

No dia 18 de Março de 2016, 5 activistas foram detidas no âmbito de uma intervenção de rua, organizada pelo Fórum Mulher e divulgada através de um comunicado e redes sociais (e-mail, FB, WhatsApp), em que se pretendia apresentar uma peça teatral, representada por um grupo de meninas, activistas e actrizes, estudantes do ensino secundário. Esta peça teatral tinha por tema a violência contra as raparigas na escola e foi concebida por um colectivo de meninas, que queriam falar dos problemas que enfrentam quotidianamente. Depois de várias horas de detenção, as activistas foram soltas, sem que nenhum auto se tivesse aberto.

No dia 30 de Março de 2016, Eva Anadón Moreno, uma activista espanhola da Marcha Mundial das Mulheres que participou da acção de rua sendo também detida, foi expulsa do país onde trabalhou tantos anos em prol dos direitos das mulheres. O processo de expulsão foi altamente irregular e intimidatório, numa expressão aberta de abuso de autoridade.

O uso de saias compridas pelas raparigas nas escolas continua a ser defendido como forma de “proteger” os professores para que não as violem. Atira-se a culpa das agressões sexuais às próprias meninas e ilibam-se os criminosos, afinal, fracos homens que foram seduzidos. De pedofilia? Nem se fala.

O pano de fundo em que decorreram estes eventos, relacionados entre si, foi a selvajaria à solta nas redes sociais. A coberto de um covarde anonimato, pessoas de ambos os sexos atacaram as activistas feministas em termos insultuosos, onde sobressaía a misoginia e a xenofobia. Foram elogiados os destemperos policiais e o uso excessivo da força. Foi saudada a medida de cobrir as raparigas na escola, para esconder a malícia das mulheres. Houve quem sugerisse que se devia a seguir obrigar as mulheres a cobrirem-se em todos os espaços públicos. Só faltou propor o uso compulsivo da burka e a expulsão das meninas das escolas, remetendo-as para o espaço doméstico (de onde nunca deveriam ter saído!).

Evidentemente que surgiram vozes masculinas e femininas a insurgirem-se contra a barbárie do que foi dito, mas estas acabaram também insultadas nas mesmas redes sociais.

A tendência é do aumento do controlo sobre as mulheres. Quem não conhece as normas não escritas mas agressivamente impostas, da proibição das mulheres atenderem às repartições públicas de roupa com alças ou manga cava? Ninguém sabe quem deu as ordens, não existe nenhum papel, mas são aplicadas numa espécie de consenso masculino sobre a necessidade de domesticar as mulheres. E há quem pense que isto tem razão de ser, pois o corpo feminino pode insultar, provocar ou seduzir os homens. Em casos extremos, sabemos de unidades sanitárias que não atendem mulheres que não estejam “decentemente” vestidas. Mesmo com perigo de vida, é melhor as mulheres taparem-se todas se quiserem cuidados médicos.

Apesar das acções que o governo tem tomado para prevenir e combater os casamentos prematuros (uniões forçadas de crianças), há quem continue a defender nas redes sociais e em outros fóruns públicos que este é um problema cultural que não se deve criminalizar. Que é preciso ir com calma. Mas entretanto, as crianças em risco que tenham paciência e aceitem continuar a ser violadas e exploradas por adultos mais ou menos velhos, mas todos igualmente pedófilos.

Em Dezembro de 2016, Valentina Guebuza, filha do ex-presidente Armando Emílio Guebuza, foi assassinada a tiros pelo seu marido, entretanto detido. Este é um caso muito frequente no país, mas infelizmente pouco se fala e os agressores ficam impunes. Por exemplo, se uma mulher é agredida e morre dias depois em consequência dessa agressão, só com exames forenses se pode provar que a agressão e o óbito estão conectados. Como isso nem sempre é possível, sobretudo fora da cidade de Maputo, o criminoso prossegue tranquilamente a sua vida, pronto para arranjar nova parceira. Mas a impunidade não se deve só a este aspecto, mas também à conivência do sistema de administração da justiça com a violência e o assassinato de mulheres (femicídio).

Mas o caso do assassinato de Valentina Guebuza, tendo sido conhecido e publicitado, não deveria ter provocado mais do que consternação e mágoa, pela perda da vida de uma jovem mulher, às mãos de um marido que deveria ser seu companheiro e amigo. No entanto, não foi isso que aconteceu. Os comentaristas misóginos e violentos que residem nas redes sociais, numa demonstração de frieza (e porque não dizer de crueldade), atiraram a culpa do assassinato à própria vítima, enquanto o seu algoz era apresentado como vítima. Independentemente do comportamento de Valentina Guebuza e de sua família, como é possível que alguém sinta regozijo pela morte brutal de um ser humano? Tal como as pessoas se indignam contra as vítimas dos esquadrões da morte, o assassinato de Valentina Guebuza é um acto bárbaro que deve ter justiça.

Cerca de dois meses antes, em Outubro de 2016, Josina Machel, filha do ex-presidente Samora Machel, foi gravemente espancada pelo seu companheiro, vindo a perder a vista de um olho. Nessa altura, os comentários foram até empáticos com a situação da vítima. Entretanto, quando este ano (2017) o caso foi julgado em tribunal, as redes sociais atacam de novo. Esta foi em parte uma estratégia da defesa do agressor que, para desacreditar a queixosa, apresentou-a como destruidora de lares, uma vez que o seu parceiro era casado e tinha mulher. A partir daqui, argumenta-se que a vítima é a esposa do réu ou o próprio réu. Vítima de quê? Ninguém explica muito bem.

Quando a 21 de Fevereiro é conhecido o veredicto do tribunal, desencadeia-se então uma tempestade. O réu foi condenado a uma pena de prisão que poderá ser convertida numa pesada indeminização, que o réu pode pagar, pois tem meios para tal, como empresário de sucesso que é.

A partir daqui surgem vários comentários: Porque é que em outros casos de violência doméstica as multas, se as há, são sempre exíguas? A justiça no país é parcial, porque nunca se viu um caso ser julgado em tão pouco tempo. E se agora as mulheres começarem a provocar agressões para também perderem um olho e ficarem ricas no final? E por aí foi, um rol de comentários indignos e de quem não reconhece valor à vida e à dignidade das mulheres.

Da minha parte, só lamento que a indemnização possa evitar a pena de prisão, porque o lugar dos agressores de mulheres é mesmo na cadeia. A violência contra as mulheres é endémica no país e tende a crescer, enquanto a maior parte da sociedade assiste e finge importar-se com isso.

Estes exemplos arrolados de forma breve mostram quão difícil é para as mulheres gozarem dos mesmos direitos que os homens. Apesar das leis e das bonitas declarações que se fazem em dias de festa (fiquem atentas/os ao próximo 7 de Abril), a igualdade de direitos tem que ser conquistada dia a dia. Com muito sofrimento e no meio de pressões e insultos que atentam contra a dignidade de quem ousa contestar ou revindicar.

Nós, activistas dos direitos humanos das mulheres em Moçambique, feministas com muito orgulho, solidarizamo-nos com a luta de todas as mulheres e incentivamos a que nunca baixem os braços. Quando nos atacam, temos que ser mais fortes e solidárias. E a cada 8 de Março, ganhemos mais inspiração para continuar!

Maria José Arthur

 

Cartaz 8 de Março 2017

 

4 comentários a “A precariedade da situação das mulheres em Moçambique”

  1. Isabel Casimiro diz:

    MUITO BOM! PARABÉNS!
    EM LUTA E SEMPRE, COM TODA A INSPIRAÇÃO DO MUNDO!

  2. Isabel Moura Casimiro diz:

    Estou solidária com as Mulheres moçambicanas, vítimas de tantas formas de violência. E com elas lutarei e manifestar-me-ei de todas as formas e as vezes que forem necessárias! A LUTA CONTINUA! VIVA A MULHER MOÇAMBICANA!

  3. Ellen Hagerman diz:

    Eu quero saber o que sao os organizacoes das mulheres que trabalham em Zambezia por favor.

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