Breves
A Polícia da República de Moçambique contra o Direito à Manifestação?
Neste artigo de opinião, o autor discute as recentes atitudes da PRM nas últimas duas marchas públicas na cidade de Maputo e pergunta-se se a intenção é reprimir futuras acções de protesto.
As duas últimas manifestações realizadas em Maputo (18 de Junho e 27 de Agosto de 2016) trouxeram em evidência “o lado negro” da Polícia da República de Moçambique (PRM), na qualidade de agente principal de protecção pública.
Começando com a marcha de 27 de Agosto, organizada pelo Parlamento Juvenil (PJ), informações veiculadas pelo jornal mediax nº 6133, da Terça-feira 30 de Agosto de 2016, nas suas páginas 1 e 2, revelam o que de mais assustador caracteriza as nossas autoridades policiais: o abuso de poder e a intimidação.
Conforme avançou o jornal, baseando-se em supostas investigações, um dia antes da realização da manifestação pacífica, a PRM decidiu convocar os seus organizadores, Alice Mabota da Liga dos Direitos Humanos (LDH) e Salomão Muchanga, Presidente do PJ, na tentativa de “persuadi-los” a não realizarem a marcha. Segundo o jornal, a PRM argumentou que estava na posse de informações segundo as quais havia um grupo que estava a organizar-se para criar distúrbios e que, se isso acontecesse, os organizadores seriam responsabilizados.
Depois dessa afirmação, a polícia não pediu, mas exigiu que os organizadores abdicassem do seu direito constitucionalmente previsto de manifestarem-se, até que ela, quando bem lhe aprouvesse, indicasse uma data apropriada para o efeito. Ou seja, foi a PRM a violar o princípio de separação de poderes, pretendendo ir além do espírito da lei e do legislador, que reconhece o direito à manifestação como um direito subjectivo, próprio dos cidadãos e das cidadãs, enquanto membros do Estado-comunidade, não do Estado-poder (instituições e agentes públicos), do qual a PRM é parte.
Ao elaborar a lei, o legislador estava ciente que, a partir do momento que este direito ficasse resignado à estrita vontade do Estado-poder, os direitos, as liberdades e garantias dos cidadãos e das cidadãs estariam em risco. É daí que se deve extrair o entendimento e o sentido do nº 1 do artigo 3 da Lei que regula as manifestações, Lei nº 9/91, de 18 de Julho, quando preceitua que “todos os cidadãos podem, pacífica e livremente, exercer o seu direito de reunião e manifestação, SEM DEPENDÊNCIA DE QUALQUER AUTORIZAÇÃO NOS TERMOS DA LEI”.
Mas infelizmente, esta não foi a primeira vez que as estruturas de poder e, inclusivamente, a polícia da República de Moçambique, através do Comando da cidade, procuram de forma expressa desencorajar o exercício do direito à manifestação. Durante a preparação da marcha que teve lugar no dia 18 de Junho de 2016 sob lema “Pelo Direito à Esperança”, organizada por um grupo de organizações da sociedade civil, para contestar a instabilidade política-militar, as dívidas ilegais e a violação da liberdade de expressão, a polícia agiu de forma a colocar os organizadores da marcha numa situação de incerteza quanto à protecção e de certeza quanto à repressão.
Depois de os organizadores terem recebido do Conselho Municipal da Cidade de Maputo (CMCM) o comunicado da marcha com as devidas assinaturas do Presidente do Município, decidiram, de boa-fé, apresentar ao Comando da Cidade o respectivo documento. Numa atitude, diga-se, sádica, nenhum funcionário da secretaria do Comando Geral da Polícia quis dar o visto de entrada ao documento, um formalismo simples, apenas confirmativo, exigido por lei a qualquer órgão de administração pública.
O mais caricato é que no meio do processo, dias antes da realização da marcha, um oficial da polícia ligou para um dos representantes das organizações informando que, caso não apresentassem o documento com as respectivas assinaturas do CMCM, a polícia iria reprimir com força e caninamente a marcha. Quer dizer, era a própria polícia a deitar cascas de banana para o cidadão infringir a lei.
Este comportamento da PRM demonstra um profundo desrespeito aos cidadãos e cidadãs que de bom grado e fazendo jus aos princípios da nossa República, fazem de tudo para respeitar a Constituição e a lei. E exclui a própria polícia do papel de agente principal na consolidação da paz, democracia e do Estado de Direito. Ademais, é necessário que se desculturalize a ideia equivocada de que a actuação da PRM é alheia à observância da lei e do respeito pelos Direitos Humanos; ao contrário, a sua existência é (ou deve ser) a prova viva da garantia da efectivação desses direitos.
Romão Kumenya
É mesmo degradante ver a forma como a polícia se posiciona. Até parece que pode detrás daquela farda, daquele escudo de guerra, daquela arma de guerra, daqueles cães selvagens não reside um moçambicano que sabe que o seu salário poderia ter sido melhor se a hierarquia da sua corporação estivesse sobre uma gestão transparente.
Enquanto isso, cumpre cegamente as suas obrigações e escusa-se de fazer o dever de casa que é o básico e simplesmente conhecer a constituição e as legislações de que regem o seu trabalho.
Mas é óbvio que não paramos por aí.