Breves
A erradicação dos casamentos prematuros como um desafio pelo respeito dos direitos das crianças
A propósito do Dia Internacional da Criança, a autora reflecte sobre as possibilidades da legislação moçambicana na protecção das crianças contra o casamento prematuro e advoga pela necessidade de uma lei específica.
Artigo de Opinião
O dia 1 de Junho, Dia Internacional da Criança, é este ano celebrado sob lema “Todos juntos contra os casamentos prematuros”.
Os casamentos ou uniões prematuras, que são uniões que envolvam crianças, ou seja, indivíduos menores de 18 anos, muitas vezes de forma forçada, é um mal que ainda afecta a humanidade, não estando dele isento o nosso país, considerando que Moçambique está entre os 10 países, ao nível mundial, com maior prevalência de casamentos prematuros. Estima-se que 48% de crianças se una antes dos 18 anos, o que significa quase uma em cada duas crianças.
Isto acontece não obstante a Constituição da República conter um forte regime de protecção dos direitos da criança, nomeadamente o artigo 47, sobre os direitos da criança, que estabelece no seu nº 1 que as crianças têm o direito à protecção e aos cuidados necessários para o seu bem-estar e no seu nº 3 que todos os actos relativos às crianças praticados quer por instituições públicas, quer por instituições privadas têm principalmente em conta o superior interesse da criança.
O artigo 121 sobre a infância estabelece também que as crianças têm direito à protecção da família, da sociedade e do Estado, tendo em vista o seu desenvolvimento integral e contra qualquer forma de discriminação, de maus tratos e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
Ao nível da lei civil existem também algumas disposições legais que poderiam, em princípio, ser usadas para prevenir o casamento de crianças, desde logo o artigo 30 nº 1 alínea a) da Lei da Família, que estabeleceu os 18 anos como idade mínima de casamento para ambos os sexos, seguindo assim os padrões internacionais. No entanto, foi este mesmo artigo que no seu nº 2 quebra esta regra ao permitir que crianças com menos de 18 anos, desde que sejam maiores de 16 anos, possam contrair casamento quando ocorram circunstâncias de reconhecido interesse público e familiar e houver consentimento dos pais ou representantes legais. O facto de o legislador não ter fixado parâmetros para se determinar o que deverá ser entendido como circunstâncias de reconhecido interesse público, deixa uma porta aberta para que muitos casamentos de crianças possam ocorrer.
Uma outra fraqueza das normas do Código Civil é que apesar de conter a proibição da realização casamento com menores de 18 anos não contém sanções a quem viola tal regra, ou seja, sanções aplicáveis ao adulto que se envolva em casamento com criança ou para os pais ou representantes legais que entreguem as suas crianças em casamento.
O Código Penal acaba também não resolvendo, podendo apenas os adultos que se envolvam com crianças ser punidos à luz do artigo 219, sobre violação de menor de 12 anos e o artigo 220, relativo a actos sexuais com menores, o que não resolve totalmente a questão, pois não protege todos os menores de 18 anos e não cobre as situações que poderão ocorrer em situação de casamento prematuro.
A criminalização do casamento prematuro tem sido uma recomendação em muitos fóruns que discutem o tema, como uma forma da erradicação do mesmo. Foi nesta esteira que o Fórum Parlamentar da SADC, através de sua Comissão Permanente de Género, Desenvolvimento Humano e Social, desenvolveu um modelo de lei sobre o casamento infantil, aprovado durante a 39ª assembleia plenária do Fórum Parlamentar da SADC, realizada em Junho de 2016 na Swazilândia, cujo objectivo é servir para que os países da região elaborem as suas leis nacionais. Uma das recomendações desta lei é que os países da região adoptem medidas para a criminalização dos casamentos prematuros. Assim, espera-se que nos próximos tempos, o legislador moçambicano adopte uma lei nacional, tendo por base a lei modelo da SADC e que tal facto contribua para erradicar este grave mal para as nossas crianças e para a nossa sociedade.
Cristina Hunguana
Jurista
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