Breves
A Covid-19 e os direitos das mulheres – 3ª parte
No terceiro artigo sobre a situação da Covid-19 e os direitos humanos das mulheres em Moçambique, as autoras interrogam-se qual foi a resposta à pandemia da Covid-19 em África, como forma de ajudar a pensar as opções que se tomaram em Moçambique.
Projecto: Mulheres e direitos humanos no contexto da Covid-19 em Moçambique
Autoras:
Conceição Osório
Ana Maria Loforte
Com este terceiro artigo pretendemos discutir a resposta à pandemia em África, que nos irá ajudar a pensar as opções que tomamos em Moçambique.
A lentidão com que o vírus chegou ao continente africano, depois de converter a Europa no foco global, permitiu que os países africanos pudessem dispor de certo tempo para se prepararem. Já em princípios de Fevereiro de 2020, a OMS mostrava a sua preocupação perante a possibilidade do vírus chegar a países com sistema sanitários débeis ou deficitários não contando com recursos suficientes para enfrentar a doença.
Uma avaliação breve da resposta de alguns países da África subsahariana à pandemia aponta, no entanto, que apesar dos seus limitados recursos, eles adoptaram medidas dignas de referência tais como triagens simplificadas, testagens proactivas (Uganda), postos de lavagem das mãos nas paragens de transportes públicos (Ruanda) mensagens no WhatsApp com informações úteis e fiáveis, diagnósticos e testes rápidos (Senegal). Neste último país, fruto da experiência anterior com a ébola, em 2014, optou-se pela hospitalização de todos os casos positivos ainda que com sintomatologia leve ou grave: esta medida estratégia foi tida como chave para conter o vírus. Com efeito, a ideia de uma cama para cada infectado conteve o grande alastramento num contexto em que predominam grandes aglomerados populacionais compostos por famílias extensas e, consequentemente, com dificuldades em observar o distanciamento social. A Nigéria criou centros de atendimento de chamadas e elegeu as campanhas com celebridades para promover acções responsáveis durante a pandemia.
Na República da África do Sul (RAS), a 15 de Março de 2020, o Presidente decretou o Disaster Management Act que permitiu declarar um estado de emergência configurado por sistemas rápidos e efectivos de resposta para mitigar a severidade do impacto e estabelecer igualmente mecanismos de gestão coordenada focados na prevenção e redução do risco, assim como um plano para diminuir o impacto do vírus na economia. Para enfrentar os efeitos nefastos da Covid-19 e equilibrar a sustentabilidade do sector económico com a protecção da saúde, estabeleceram-se parcerias com o sector privado para o sistema de vigilância, testagem, rastreio, monitoria de todas as pessoas infectadas e seus contactos, o que seria complementado por campanhas públicas para a boa higiene e comportamento saudável para baixar os níveis de contaminação, banimento de viagens para países de risco e encerramento das fronteiras.
Todavia, não obstante a referência por parte de Agências das Nações Unidas de que a perspectiva de direitos humanos e a existência de políticas públicas com recorte de género deveriam estar presentes, nada se vislumbra neste sentido nos países analisados. Seria de esperar o reconhecimento da especificidade dos direitos das mulheres ou a referência a que num quadro em que as desigualdades de género e poder estão subjacentes, as principais medidas de contenção da pandemia poderiam resultar na negação do acesso e exercício dos direitos sexuais e reprodutivos por parte das mulheres. É de referir que a saúde sexual e reprodutiva é um direito humano, pelo que o planeamento familiar e os métodos de autocuidado devem ser promovidos e as barreiras ao acesso à contracepção removidas. Deveria ainda ser objecto de atenção a vulnerabilidade das raparigas e mulheres à violência, especificamente a física e sexual.
Não menos importante é o reconhecimento do agravamento da pobreza feminina por perda das fontes de rendimento, especialmente no sector informal da economia, pois o número de praticantes desta actividade em África é expressivo e contribui de forma significativa para a segurança alimentar e bem-estar das mulheres e seus dependentes.
Na RAS a aplicação das restrições severas de nível 4, o lockdown, que colide com a observância dos direitos fundamentais dos cidadãos, provocou duras críticas ao governo e uma resistência em cumprir com as ordens emanadas. Esta opção não é realista nem aplicável num cenário em que grande parte da população não tem a possibilidade de instituir o distanciamento físico, lavar as mãos com regularidade e lidar com o impacto do encerramento da economia, pois permanece sem acesso a receitas provenientes do sector informal. Num contexto de subida de preços de produtos alimentares básicos, a população mais pobre torna-se bastante vulnerável à fome.
O lockdown teria sido mais efectivo se levado a cabo não só de acordo com a lei, mas também de mãos dadas com o cumprimento total das obrigações governamentais de fornecer bens e serviços como comida, água, serviços para membros da comunidade mais vulneráveis.
Nos três países de língua portuguesa analisados (Portugal, Brasil e Cabo Verde) os diferentes Planos de Contingência elaborados surgem como ferramentas estratégicas de preparação e resposta à pandemia, tendo como aspectos comuns os seguintes objectivos: reduzir a disseminação da infecção através da promoção de medidas de saúde pública, individuais ou comunitárias; minimizar o risco de transmissão nosocomial de Covid-19; providenciar tratamento e apoio a elevado número de pessoas, enquanto se mantêm cuidados de saúde essenciais; apoiar a continuidade de cuidados de saúde e outros serviços essenciais; manter a confiança e segurança da população, através de implementação de medidas baseadas na melhor evidência.
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