Breves
Fórum Mulher posiciona-se sobre violência doméstica
Num comunicado divulgado a semana passada, o Fórum Mulher, rede de organizações de direitos das mulheres, posiciona-se sobre as evidências de aumento da violência contra mulheres e raparigas, depois da divulgação dos dados para 2016, pela Ministra da Saúde.
Veja a seguir o comunicado na íntegra.
Nota de Repúdio pela violência contra as mulheres
e raparigas em Moçambique
O Fórum Mulher, Coordenação Nacional da Marcha Mundial das Mulheres em Moçambique, no contexto da crescente violência contra as mulheres e raparigas que temos constatado nos últimos tempos, vem mais uma vez denunciar os diferentes tipos de violência estrutural e sexista que as mulheres e raparigas deste país têm sofrido e apelar para intervenção urgente do Estado no sentido de prevenir e combater este mal.
Os últimos acontecimentos trágicos e chocantes mostraram que a violência contra mulheres e raparigas no país é transversal, afectando todos os estratos sociais. Neste âmbito, há uma necessidade de se localizar a violência contra a mulher e rapariga dentro da estrutura patriarcal e machista que medeia as relações entre mulheres e homens, as relações das mulheres entre si e dos homens entre si, que por sua vez reproduzem uma cultura desigual sobre os valores éticos e morais, pois o respeito que as mulheres devem ter para com os homens é diferente do respeito que os homens devem ter para com as mulheres. No nosso país, respeitar um homem, significa obediência, falar baixinho, não levantar a cabeça, lavar e cuidar de casa, atribuir-lhe a melhor parte da refeição, satisfazê-lo nas necessidades básicas e fisiológicas entre outras, etc. Respeitar uma mulher significa: oferecer uma capulana, trazer bens para casa ou consumir a comida preparada pela mulher. Encontramos vários exemplos do que chamamos Respeito nas nossas famílias, comunidades e na sociedade em geral que mostram claramente a dominação e humilhação que as mulheres são expostas diariamente.
Infelizmente esse entendimento complicado e grosseiro do que significa “Respeito” parece estar no centro de actos de violência contra a mulher e rapariga. Para nós, mulheres articuladas na rede Fórum Mulher e Marcha Mundial das Mulheres, “Respeito” numa sociedade democrática e pluralista, como a nossa, significa reconhecer as nossas diferenças e nossa dignidade como seres humanos, onde se reconhecem e se asseguram os direitos humanos de todas e todos por todas as instituições do Estado e por todos os cidadãos. Respeito é valorizar a nossa crítica como contribuição para o desenvolvimento social, cultural e económico do País.
Durante a campanha anual internacional dos 16 dias de activismo (25 de Novembro a 10 de Dezembro) chamamos à atenção para a proliferação de armas pequenas (pistolas, facas e outros) e seu papel na violência doméstica. A violência doméstica pode ser exacerbada quando as armas estão presentes nos lares e podem ser usadas para ameaçar, ferir ou matar mulheres e crianças. De acordo com a Rede de Mulheres da Rede de Acção Internacional sobre Armas Pequenas (IANSA), as mulheres têm três vezes mais probabilidade de morrer violentamente se houver uma arma na casa. Por outras palavras, as armas nas mãos de perpetradores de violência podem permitir a escalada de violência doméstica para homicídio num ápice.
Mas o mais importante é deixarmos de olhar para crimes de violência doméstica como casos isolados: um olhar minucioso mostra que há um padrão: mais e mais homens matam as suas parceiras quando aparentemente elas lhes faltam ao ”Respeito”. Daí ser necessário termos, como nação, intervenções criativas que possam levar-nos a reflectir profundamente sobre o tipo de sociedade que estamos a criar, e que sociedade pretendemos.
No início deste ano de 2017, a Ministra da Saúde, Nazira Abdul, no seu informe sobre as ocorrências no sector da saúde durante a quadra festiva, afirmou que foram registados 156 casos de violação sexual e 290 de violência doméstica, traduzindo um aumento de 25% e 7% respectivamente. O cenário de 2016 não foi diferente deste, tendo-se registado 130 casos de crimes de violação sexual atendidos nas unidades sanitárias a nível nacional, dos quais metade envolveram menores de quinze anos, inclusive em crianças de tenra idade. Este número representava um aumento de cerca de 42% comparativamente ao mesmo período de 2014 (91 casos reportados). Estes números reflectem quão problemática e preocupante é a situação da violência em Moçambique.
A violência contra as mulheres e raparigas é machista e patriarcal, porque ela é manipuladora e perpetua a culpabilização das mulheres em relação à violência que sofrem, através de falsos argumentos como: “porque ela me faltou ao respeito, porque tinha uma saia curta, porque ela estava na rua à noite, porque ela recusou ser minha namorada”… São muitas as justificativas usadas para instrumentalizar as mulheres.
E nós dissemos que é machista e patriarcal, porque ela não tem fronteiras de poder financeiro, da área nobre ou peri urbana da cidade, ou da área rural que as mulheres se encontram. Ela tem como fundamento a ideia das mulheres como propriedade, “se não for minha, não será de mais ninguém” que alimenta uma masculinidade perversa e dominadora.
Nesse sentido, o Fórum Mulher apela aos magistrados que julguem os casos de violência doméstica com celeridade de modo a contribuir para a eliminação da prevalecente cultura de impunidade que os perpetradores da violência contra a mulher e criança aparentam gozar.
O Fórum Mulher também solicita que o Estado moçambicano crie condições estruturais para a melhoria do atendimento às vítimas de violência doméstica através do atendimento integrado; e acima de tudo, que não só olhe para a violência doméstica como uma prioridade nacional ‘de jure’ mas também ‘de facto’, através de intervenções robustas dos órgãos sob sua tutela.
O juramento ‘até que a morte nos separe’ não pode significar e muito menos outorgar o homem o poder de violentar ou assassinar a sua parceira.
Seguiremos em marcha, até que todas sejamos livres da violência!
Maputo, Janeiro de 2017
Fórum Mulher
Muita coragem nessa luta…
Juntos na luta contra a violência doméstica.