Breves
O direito à manifestação está a ser posto em causa!
Neste texto de opinião a autora defende que os direitos das e dos cidadãs/ãos de se manifestarem e de marcharem para se fazer ouvir está a ser reprimido, usando-se para isso vários meios, desde o aparato policial às mensagens nas redes sociais, que procuram denegrir os organizadores.
Nos últimos tempos, está cada vez mais difícil organizar manifestações. Primeiro, embora a lei seja muito clara e diga que basta cumprir os requisitos para se sair livremente para a rua, não é isso que sucede. Há um compasso de espera, há um ir e vir de documentos, e muito suspense. Já saiu ou não o documento? Perguntam-se organizadores e interessados em participar, pois ir para a rua sem papel é sujeitar-se a ser batido, a ir para a prisão e, pior ainda, a ser mordido por aqueles cães ferozes e enormes a quem se fez esquecer que são os melhores amigos das pessoas, e que em carros ou na mão de agentes também com ar feroz, escoltam todas as manifestações públicas. Isso já sem falar dos carros blindados com metralhadoras e gás lacrimogéneo.
Segundo, acompanhando a convocatória tanto nos jornais como nas redes sociais (whatsapp e facebook), há uma série de pessoas que se dedicam a elaborar relatos mais ou menos fantásticos, denegrindo os organizadores das marchas, atribuindo-lhes desígnios ocultos ligados a interesses estrangeiros. Estamos a falar da célebre mão externa, com a qual nos pretendem convencer que os moçambicanos e as moçambicanas não sabem pensar, são facilmente influenciados/as por gente que vem de fora, esses sim com cabeças pensantes. Mas será que os que escrevem não se dão conta de que estão eles mesmos a insultar todo um povo? Desde quando se precisa de mão externa para achar que a guerra é um mal que não se pode aceitar, que quem rouba deve pagar e devolver, e que quem não deve não deveria ter que pagar? Nós, moçambicanos e moçambicanas, não temos inteligência para formar a nossa própria opinião?
Em seguida, a acção de denegrir a marcha e os organizadores continua também na rádio pública (paga pelos contribuintes), às vezes com simulacros de entrevistas, para trazer um grande número de opiniões contrárias, pondo pessoas do sistema a falar, enquanto se apresentam como simples populares. A TVM, também um órgão de informação público, ou não falou das marchas, ou fê-lo de maneira parcial e deturpada.
Foi assim na marcha do dia 18 de Junho, chamada “Pelo direito à Esperança”, e foi assim também na Marcha pela Paz, que aconteceu a 27 de Agosto. Todas foram acompanhadas das manobras já acima descritas, bem como por um aparato policial que a tradição de marchas pacíficas tornava desnecessário se a intenção fosse de manter a ordem pública. Mas se se tratava de intimidação pura e simples, para quem foi à marcha e para quem não foi para não ter nunca vontade de ir, já faz mais sentido.
A marcha do dia 27 de Agosto teve inclusivamente direito a uma intervenção do Comandante da Polícia, que exortou os manifestantes a comportarem-se de maneira cívica. Qual o fundamento desta inédita intervenção? Como já se disse, a tradição de manifestações no país é pacífica, pelo que a fala do Comandante da Polícia mais não foi do que outra manobra intimidatória.
Na marcha do dia 18 de Junho, apareceram indivíduos nas residências universitárias da Universidade Eduardo Mondlane, avisando os estudantes de que quem fosse à marcha seria expulso. Num dos programas televisivos que se seguiram, um telespectador que telefonou e não se quis identificar, informou que manobras semelhantes, com ameaças de despedimento, aconteceram em algumas repartições públicas.
Com tudo isto, embora o desespero esteja a aumentar, as pessoas sentem-se paralisadas. O nível de vida está a encarecer de forma vertiginosa, o poder de compra esvai-se e aumenta o desemprego, com as empresas a fechar ou a diminuir o número de trabalhadores. A guerra continua a matar e interrompeu a circulação de pessoas e de mercadorias no país. Mas, por cima disto, há medo no ar. Às vezes de uma forma quase palpável. Fala mais baixo, toma cuidado com o que falas, atenção que os telefones estão sob escuta, e por aí fora. Desconfia-se dos colegas e até dos amigos, porque a denúncia e a intriga estão na rua, convivem connosco diariamente.
É por isso tempo de deixar que as pessoas se exprimam livremente, tal como já aconteceu no passado, antes destes últimos governos que foram progressivamente amordaçando as pessoas e cortando as liberdades.
Vamos falar, vamos escrever e vamo-nos manifestar. Não cedamos às manobras de intimidação e às acusações de antipatriotismo. Exigir justiça, paz e transparência é vital para que o nosso Moçambique floresça e, com ele, todos e todas nós.
Maria José Arthur
As fotos nesta página foram tiradas durante a Marcha pela Paz que teve lugar em Maputo a 27 de Agosto de 2016.
Deixe um comentário