Breves
O uniforme escolar e a “teologia machista”
O autor discute como é que, através de propostas de alongamento das saias dos uniformes escolares femininos, se está na verdade a controlar o corpo das mulheres, central ao que chama de “teologias machistas”.
Texto de opinião
Dentro do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, surgem propostas de enfrentamento do problema da falta de moral nas escolas através do alongamento das saias das alunas até ao joelho. Do jeito que a questão é colocada pode facilmente suscitar aplausos daqueles que já se encontram indignados pela bem difundida ideia de falta de moral na sociedade ou ainda dos que se encontram atolados na nostalgia da glória dos “velhos tempos”. As constantes crises levam o Homo Modernum a buscar a todo o custo referências através de tentativas de resgate da “Terra Prometida” ou do “Jardim do Éden” que se perdeu na corrupção dos tempos. Pensamentos como estes encontrarão sempre mercado disponível no espírito de quem procura soluções em velhas estórias.
Na verdade, as propostas que visam o restabelecimento da moral perdida incidindo sobre os corpos femininos, avizinham-se mais daquela perspectiva teológica do “Pecado Original” (história de Adão e Eva), segundo a qual a mulher foi responsável pela introdução de caos num universo que foi harmoniosamente criado por Deus. É por isso que não causa tanto espanto quando as “Teologias” Machistas pregadas em diversos pólos são reproduzidas em instituições onde por excelência a sexualidade deveria discutida, questionada e repensada sem tabus, como a escola. Parece que em alguns sectores da nossa sociedade o movimento renascentista do século XVII, que por sinal abalou as bases teológicas da Idade Média, tem ainda uma longa caminhada a fazer para inverter toda a “Teologia Masculina” sobre os corpos femininos.
O proselitismo que subsiste em alguns centros de decisão no MINEDH, comprova que o feminino continua sendo uma realidade difícil para os convertidos, e em sua devoção precisam de ter o corpo da mulher sob controlo para que a sua santidade não seja corrompida. Ou seja, é deus a precisar da existência do diabo para provar que é santo. Por causa da nossa crise de consciência, repito noutros termos o que disse historiador brasileiro, Leanadro Karnal, no programa televisivo “Café Filosófico”: “precisamos de hospício para imaginar que, estando fora, não somos loucos”. Controlar e definir a vestimenta feminina é reproduzir uma alteridade negativa onde a outra (ou o outro) passa a existir na nossa vida, mas numa dimensão que por nós seja controlada. Dizer o que as mulheres devem e não devem vestir, também é uma forma de exercer controlo social sobre os corpos, por que a escolha é precisamente uma forma de expressar autonomia. Parafraseando o filosofo alemão Emmanuel Kant, é o que caracteriza a passagem da menoridade para a maioridade.
A escola deve (ou deveria) ser o lugar de produção de novos discursos, da problematização dos valores estabelecidos e de testagem de novas hipóteses. É a trabalhando nesta vertente que se pode começar a vislumbrar a inter-humanidade. Ausência destas abordagens em instituições que deveriam funcionar de núcleos preparatórios e de aprendizagem para a boa convivência social, leva à radicalização e a situações como aquelas que temos assistido no mediterrâneo (com a crise dos refugiados) e um pouco por toda parte, em que se perde a oportunidade de reflectir o problema da cidadania e dos Direitos Humanos. E que resultam na fabricação de um urbanismo étnico, racial e sexualmente excludente e tem por consequência a aderência de grupos de jovens a movimentos extremistas, que procuram dar uma resposta violenta a uma violência estrutural já preestabelecida. Quem não se lembra do jovem norte-americano de 21 anos de idade, Dylann Storm Roof1, que a 17 de Junho abriu fogo numa igreja maioritariamente frequentada por negros no Estado de Carolina do Sul, EUA, dizendo que pretendia iniciar uma guerra racial?
Esses acontecimentos têm o condão de chamar a nossa atenção para o facto de que as diferenças (sexo, raça, etnia, etc.) não estão a ser suficientemente debatidas e que precisam de ser analisadas fora da própria lógica que as reproduz. A violação sexual de mulheres ocorre tanto em contexto de guerra assim como de paz, em casa ou na rua, são protagonizadas pelos grupos extremistas na Nigéria (o caso das 2000 meninas raptadas pelo Boko Haram2) e na Ásia (caso das meninas e mulheres da minoria Yazidi levadas cativas pelo auto-proclamado Estado Islâmico3) regiões onde as mulheres estão cobertas da cabeça aos pés e até em áreas em que a capulana é a principal indumentária como na República Democrática do Congo, onde em 2011 estimava-se que mais de 400 mil4 mulheres eram violadas por ano. As instituições não devem ignorar essas informações ou pensarem que são meros acidentes de percurso; ou que os dados são apenas relevantes aos estudos de mercado como quando se pretende alcançar potenciais consumidores ou na avaliação de projectos de investimentos. Afirmar que as mulheres devem estar “bem trajadas” para preservar a moral é ignorar a questão e reafirmar o poder masculino. Creio que o projecto do MINEDH não é esse, mas sim o de educar para o futuro, de ligar as moçambicanas e os moçambicanos numa base que permita que cada um reconheça na outra ou no outro a diferença necessária para a construção de uma sociedade democrática.
por: Romão Kumenya
- Cf. g1.globo.com/mundo/noticia/2015/06/policia-dos-eua-identifica-suspeito-de-mortes-em-igreja-como-dylann-roof.html; acedido a 24/11/2015.
- Cf. http://br.reuters.com/article/worldNews/idBRKBN0N500B20150414; acedido a 24/11/2015.
- Cf. http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/12/141222_yazidis_estado_islamico_rm; acedido a 24/11/2015.
- Cf. https://www.publico.pt/2011/05/12/mundo/noticia/mais-de-400-mil-mulheres-sao-violadas-por-ano-na-republica-democratica-do-congo-1493844; acedido e actualizado a 04/03/2017.
Gostei e aprendi muito deste texto, bem esplanado