Quando os políticos legitimam a violência doméstica…
Ana Cristina Monteiro
No dia 30 de Julho do corrente ano, o Jornal da Manhã da TVM comunicou que um deputado da bancada parlamentar do partido no poder, pelo círculo eleitoral de Gaza, havia espancado brutalmente a sua esposa, tendo-a deixado praticamente à beira da morte.
Indagado o porta-voz do partido sobre a gravidade deste comportamento, que em nada dignifica um ser humano, ainda para mais vindo por parte de alguém com a responsabilidade de representar o povo, Edson Macuacua respondeu que de forma alguma esta atitude poderia afectar a carreira política do deputado pois tratava-se de um assunto de foro absolutamente privado.
Depois deste comunicado nunca mais o assunto voltou a ser tratado em nenhum órgão de comunicação social, ou seja, ficou completamente esquecido, a tal ponto que qualquer cidadão que não tenha estado atento àquela hora nunca ouviu falar do assunto e na mesma situação se encontram muitos deputados e colegas de bancada.
As atitudes dos dois deputados são bastante preocupantes e reforçam as nossas ideias de que a questão da luta contra a violência doméstica assume contornos políticos. Quanto ao deputado agressor, é indiscutível que tenha tomado esta atitude para mostrar à sua esposa ou companheira, que tem mais força e que está acima da lei. Será que a imunidade e a irresponsabilidade do deputado plasmados nos artigos 174 n° 1 e 175 da Constituição da República se estende e ganha estes contornos?
O nosso país ratificou vários instrumentos internacionais de defesa dos direitos Humanos sendo o mais recente o Protocolo à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos relativo aos direitos das mulheres em África que obriga os Estado parte a adoptarem medidas que visem condenar todas as práticas nocivas que afectem os direitos fundamentais das mulheres.
Á luz destes instrumentos e consequentemente da Constituição Moçambicana – artigo 40, os direitos humanos devem ser garantidos a todos os cidadãos independentemente do sexo, pelo que a justificação do deputado Edson Macuacua é bastante ultrapassada, e é uma vergonha que seja dada por alguém que pertença ao legislativo. Através deste exemplo percebemos porque é que alguns dos deputados já falam contra a proposta de lei contra a violência doméstica, quando esta ainda não foi sequer apresentada ao Parlamento!
O que diz a imprensa?
Dias depois da informação ter sido transmitida no jornal da TVM, apareceu uma breve notícia no semanário Zambeze, de 3 de Agosto de 2006, com o seguinte título: “Na Macia: Deputado da Frelimo dispara contra camião de rival”. Os factos narrados confirmam mais ou menos que o que já se sabia, embora se esclareça que a “noiva” do deputado não se encontra ferida:
- O deputado usou de arma de fogo para obrigar a “noiva” a confessar com que homem é que mantinha um caso amoroso;
- O deputado ameaçou os motoristas de uma companhia, entre os quais presumivelmente se encontrava o rival, disparando a arma que possui;
- Os disparos de arma de fogo criaram o pânico na vila da Macia, levando as pessoas a abandonarem as suas casas para se refugiarem no centro da vila.
Não encontramos mais nenhuma referência a este caso em outro órgão de comunicação social.