Texto 8
Debates sobre as apresentações e nos trabalhos de grupo
Considerando os objectivos da Conferência, o programa privilegiou: i) apresentações sobre a aplicação da Lei nº 29/2009, sobre o papel das instituições no combate à violência de género, problemas no funcionamento das instituições e das ONGs que intervêm na área da violência de género; ii) trabalhos em grupo para troca de experiências entre os participantes, para permitir identificar os principais obstáculos à aplicação da lei e identificar proposta.
De acordo com estes requisitos, a Conferência esteve organizada em painéis e grupos de trabalhos. [Clique aqui para ver o Programa]
O painel 1 era ao mesmo tempo a sessão de abertura, como a seguir se segue:
Temas apresentados
- Direitos humanos e direitos humanos das mulheres – Terezinha da Silva, Coordenadora da WLSA
- O papel do Estado na defesa dos direitos humanos das mulheres – Josefa Langa, Directora Nacional da Mulher
- Visão do MINT no combate à violência de género – director da PIC
- Violência de género e acesso à justiça em Moçambique – Berta Chilundo, Presidente da Muleide
Resumo
Este primeiro painel, constituiu também a sessão de abertura da Conferência e procurou dar uma visão geral sobre a história dos direitos humanos, no geral e, em particular, sobre os direitos humanos das mulheres, ressaltando o percurso histórico, pela conquista da humanidade das mulheres, considerando-se as mulheres como sujeitos de direitos.
Em outros desenvolvimentos, sublinhou-se o papel que o Estado tem na defesa dos direitos humanos das mulheres, através da experiência do MMAS como instituição estatal, com o mandato de coordenar as acções de combate à violência e pela igualdade de género. Partilhou-se ainda a visão do Ministério do Interior no combate à violência de género, sublinhando-se o papel dos Gabinetes de Atendimento da Mulher Vítima de Violência (GAMC).
Foi enfatizado também que a violência contra a mulher é um fenómeno cuja causa principal é o desequilíbrio do poder entre mulheres e homens. Por isso, apelou-se ao Estado para domesticar os instrumentos internacionais de defesa dos direitos humanos das mulheres, tanto no domínio público como privado. Ressaltando-se que é no âmbito deste dever, que o Estado moçambicano aprovou normas e criou instituições, programas de protecção dos direitos da mulher, em particular, na prevenção da violência baseada no género.
Por parte das ONGs, foi bastante vincado que o acesso à justiça ainda é muito restrito, sobretudo da parte das mulheres. Indicaram-se como factores o desconhecimento da lei, a pouca cobertura do sistema judicial, a descrença na actuação dos agentes de justiça (que vem da não resolução de casos levados às instâncias de justiça e do conhecimento directo ou indirecto de casos de corrupção neste meio), a desigualdade de género.
Temas apresentados
- Experiências dos GAMC – Joaquim Nhampoca – MINT
- Experiências das procuradorias – Lúcia Maximiano – PGR
- Experiência do IPAJ – Albertina Siueia – IPAJ
- Experiências dos tribunais – José Macaringue – AMJ
- Experiências da Sociedade Civil: Levantamento do grau de implementação da Lei – Graça Júlio – Fórum Mulher
Resumo
O cerne do segundo painel era a questão da aplicação da lei de violência doméstica em Moçambique, procurando-se identificar e discutir os constrangimentos institucionais e culturais que interferem na aplicação da lei, através das experiências dos GAMC, das procuradorias, dos tribunais e da Sociedade Civil.
Segundo a experiência dos Gabinetes, constatou-se a não efectiva organização e preparação das instituições para fazer face aos procedimentos processuais, atendimento e assistência às vítimas de violência doméstica, conforme a lei. Verifica-se a demora na resolução dos casos, particularmente os casos sumários, agravando o sofrimento da vítima ou obrigando-a a uma reconciliação não desejada. A não aplicação de medidas cautelares em tempo útil e a ausência de serviços de apoio a vítima, acolhimento e assistência psicossocial, constitui um factor para as desistências. Aponta-se também: a demora na emissão dos relatórios médico-legais, contrariando o princípio segundo o qual a violência doméstica é um caso de urgência médica; a falta de espaços físicos apropriados, para o atendimento personalizado às vítimas de violência nas subunidades policiais.
Ainda segundo os gabinetes, uma vez aberto o processo, em muitos casos, as mulheres solicitam a retirada da queixa (colidindo com a Natureza Pública da Lei). A não comparência da vítima e do agressor, junto ao Ministério público, constrange os casos, embora não justifique o não prosseguimento do processo. Em sede de julgamento as vítimas desmentem as declarações anteriormente feitas, por vezes com assinatura nos autos de denúncia. Nos casos em que há lugar a detenção do acusado a vítima, juntamente com outros membros da família, manifestam descontentamento junto ao local de detenção. As vítimas que procuram as Unidades Sanitárias, antes de irem à Polícia, raras vezes apresentam a queixa, mesmo quando aconselhadas pelo profissional de saúde.
A procuradoria lembrou a funções do Ministério Público que é de controlar a legalidade, controlar os prazos das detenções, dirigir a instrução preparatória dos processos-crime, exercer a acção penal e assegurar a defesa jurídica dos menores, ausentes e incapazes. Durante a apresentação da Procuradoria, sublinhou-se que o aumento de casos registados que pode estar associado ao aumento da consciência jurídica dos cidadãos, decorrente da intensificação na divulgação dos direitos da mulher e da criança e das acções de formação e de capacitação dos actores nesta matéria.
A procuradoria aponta como principais constrangimentos na aplicação da lei: constrangimentos social (a aceitação social de comportamentos ilícitos pela comunidade, motivando a existência de casos de violência doméstica não denunciados, o que dificulta a censura jurídica dessa conduta), cultural (valores, hábitos e práticas que existem na sociedade moçambicana para além de práticas obscurantistas), legal e profissional (apesar do carácter urgente do processo que a Lei impõe, a prática revela outra realidade). Foram igualmente apontadas fragilidades e dificuldades na recolha da prova, e uma das razões (não a única) é que, não havendo vestígios corporais, pela demora na apresentação da queixa ou pela não existência de serviços de medicina legal, muito dificilmente se reúne a prova.
Os tribunais levantaram problemas ligados à clareza da própria lei de violência, destacando alguns problemas enfrentados pelos tribunais na sua aplicação. No Artigo 6 sobre as Medidas Cautelares, foi questionada a fase do processo em que pode o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da vítima, aplicar as diferentes medidas cautelares ali previstas e qual deve ser a duração daquelas medidas. Neste caso, deve-se ter em conta o princípio da presunção de inocência e dos limites das penas e das medidas de segurança, plasmados nos artigos 59, nº 2 e 61, nº 1 da Constituição da República.
Sobre as penas, no Artigo 8, a lei fala da Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade. Sobre este tipo de pena previsto na lei, o tribunal questiona que o legislador não só não especificou que tipo de trabalhos deve o condenado prestar, deixando a definição dos serviços a prestar ao livre arbítrio do tribunal, como não cuidou de definir a quem cabe a responsabilidade de executar a mesma pena, já que não existem tribunais de execução de penas, o que desestimula a sua aplicação pelos tribunais, que, grosso modo, para assegurar o efectivo cumprimento das suas decisões condenatórias por esta infracção, optam por substituir a pena de prisão por multa. Para os tribunais, inexistem mecanismos de articulação inter-institucional que permitam a aplicação e operacionalização efectiva desta medida penal, por falta de instrumento legal regulador e que assegure ao juiz o efectivo cumprimento desta medida.
Noutros desenvolvimentos, os tribunais afirmaram que o maior constrangimento que os tribunais enfrentam em casos de violência doméstica, prende-se com a produção de prova dos factos contidos na denúncia, uma vez que, indeferido o pedido, nalguns casos a vítima não comparece ao julgamento e, com a sua conivência, o réu subtrai-se às notificações, já que, o réu deve ser notificado pessoalmente, o que pode por em causa o carácter urgente dos casos de violência doméstica. Quando não haja testemunhas ou outros elementos de prova, ou quando o crime não tenha sido denunciado, inevitável se torna a absolvição do infractor por falta de prova, o que pode estimular o infractor a praticar novos delitos da mesma natureza.
Na apresentação do IPAJ, foi indicado que esta instituição presta assistência jurídica e judiciária dando seguimento a casos com mais enfoque na prestação de alimentos, divisão de bens emergentes de uniões de facto, regulação do poder parental e divórcios ou acordos extra judiciais. Depois de uma reforma da instituição, a partir de 2011 o número de casos recebidos nos GAMC e depois encaminhados ao IPAJ aumentou gradualmente o que justificou a necessidade de admitir mais pessoal para prestar assistência. Para o efeito, afectam-se ao Gabinete, Advogados estagiários que fazem o atendimento diário coordenado por esta Delegação.
Referiu-se que há casos que são directamente encaminhados pelos GAMC para os Tribunais competentes, sem passar pelo IPAJ, que dizem respeito a crimes de violência sexual, agressão física ou violência psicológica. Nestas circunstâncias, os serviços do IPAJ só são solicitados quando a vítima carece de assistência jurídica (em muitos casos existem defensores oficiosos afectos nos tribunais).
Foi denunciada ainda a falta de coordenação entre os GAMC e o IPAJ, que em algumas províncias foi proibido de trabalhar nas esquadras de polícia.
Por parte da sociedade civil, o Fórum Mulher apresentou os resultados parciais de um estudo que teve como objectivo geral aferir o grau de implementação da Lei nº 29/2009, de 29 de Setembro, através da auscultação a profissionais e não profissionais da administração da justiça. Pretendia-se auscultar a sensibilidade de vários intervenientes sobre a aplicação da lei, no que tange aos casos julgados com recurso a esta lei; os tipos de casos apresentados no dia-a-dia e tipificados na lei como crime; os casos mais frequentes, bem como outros conflitos que se subsumem como crime; compreender a visão dos profissionais e outros aplicadores da lei, a respeito da violência doméstica contra a mulher em especial; e em geral, Identificar as dificuldades e problemas encontrados na aplicação da lei.
O estudo teve como grupo alvo agentes da justiça a vários níveis e membros de ONGs e algumas personalidades da sociedade civil comprometidas com a eliminação da violência doméstica. Os locais da pesquisa foram as províncias de Cabo Delgado, Sofala, Gaza, Maputo Província e Cidade.
A partir da perspectiva dos agentes entrevistados, foram identificadas vantagens na aplicação da lei, mas também desvantagens, e recomendações para a revisão (no sentido de clarificação) da lei.
Reconhece-se que a lei trouxe inovações, principalmente no que constituía lacuna à luz da lei penal em vigor, que não tipifica especificamente os crimes de violência doméstica. Esta lei dá um melhor enquadramento e classificação dos crimes de violência doméstica. Todavia, aponta-se como negativo a natureza pública dos crimes arrolados e a impossibilidade de desistência por parte dos ofendidos a fim de salvaguardar interesses familiares. Nesta ordem de ideias, alguns informadores destacaram que esta lei cria uma série de problemas sociais às famílias pois (i) fomenta mais divórcios porque a mulher agora “queixa” por tudo e por nada, (ii) aumenta desentendimentos entre os cônjuges, (iii) aumenta os desentendimentos com a família do cônjuge condenado e sentenciado, (iv) deixa as crianças desamparadas em função dos divórcios que ocorrem como consequência da implementação da lei.
Como recomendações do estudo referiu-se a necessidade de: i) conceber um modelo uniforme de controlo dos casos de violência doméstica, desde a denúncia até ao fim do processo, com vista a evitar a disparidade de dados estatísticos, pois os casos que chegam ao fim com punição, ou seja, o GAMC e as ONGs, não têm informação sobre o desfecho dos casos encaminhados ao Ministério Público e ou ao Tribunal (como já previsto no Mecanismo Multissectorial de Atendimento); ii) melhorar a elaboração dos autos de denúncia, que devem trazer elementos que ajudam no esclarecimento dos factos apresentados; iii) imprimir maior celeridade processual, cumprindo-se com o carácter urgente na resolução dos casos de violência, de acordo com a complexidade de cada tipo legal do crime previsto e punido na lei; iv) definir mecanismos de responsabilidade do Estado no apoio social e psicológico da vítima; v) Melhorar a forma de elaboração do relatório dos Serviços de Medicina Legal; vi) criar Centros Transitórios para acolhimento das Vítimas de Violência Doméstica; vii) estender a divulgação da lei nas localidades, povoações e noutros aglomerados populacionais.
Temas:
- Argumentos culturais que legitimam a violência: a construção das masculinidades – Júlio Langa, Rede HOPEM
- O funcionamento dos tribunais comunitários – Alberto Cumbi, WLSA Moçambique
- A violação sexual de menores, denúncia e criminalização – Conceição Osório, WLSA Moçambique
- O papel da saúde no atendimento às vítimas e no combate à violência de género – Francelina Romão, MISAU
Resumo
Este painel sublinhou que os argumentos culturais que legitimam a violência se apoiam nos modelos de masculinidade e feminilidade construídos socialmente e transmitidos de geração para geração. Esses modelos influenciam o comportamento violento nas relações entre homens e mulheres. Por outro lado, apontaram-se instituições sociais tais como os casamentos prematuros, como espaços de violação dos direitos da criança.
Os tribunais comunitários, julgando de acordo com o bom senso socialmente partilhado, tornam-se, ao invés de espaços de uma justiça plural, espaços de construção de exclusão de cidadãs. Por isso, o argumento segundo o qual os tribunais comunitários contribuem para resolver o problema de acesso aos cidadãos à Justiça, por estarem próximos da comunidade e garantirem a inclusão de todos, pode no seu confronto com a prática incorrer em muitos contra-argumentos, principalmente quando se trata do acesso à justiça por parte das mulheres. As lógicas que orientam a definição do que é justo e injusto, ao nível destas instâncias, estão intimamente ligadas ao imaginário colectivo, assente na cultura e tradição, socialmente partilhada. Significa que o que é considerado socialmente justo não está, muitas vezes, de acordo com os princípios dos direitos humanos.
Ao nível dos tribunais comunitários, os casos de índole criminal e cível, como são os casos de agressão física às mulheres ou violação sexual de menores, pensão de alimentos, apesar de não serem da competência destas instâncias de resolução de conflitos, são na sua maioria para lá encaminhados, por serem categorizados como “casos sociais” e, portanto, a sua resolução, baseada no “aconselhamento” e na “conciliação” ou na aplicação de sentenças que embora ilegais, são aceites por serem representadas socialmente como justas as penas indicadas.
Quando a situação é inversa, ou seja, quando por exemplo, em casos de violência doméstica, os homens representam as queixas das mulheres como injustas, verificam-se situações em que os agressores sequer respondem positivamente às solicitações do tribunal comunitário ou não cumprem com as decisões tomadas. Os casos de violência doméstica são minimizados, nas instâncias informais, sendo vistos como problemas sociais, constituindo matéria para resolução, no imaginário simbólico dos tribunais, situações em que os homens se eximem do que é considerado o seu papel social de provedor ou quando a violência ultrapassa o carácter “pedagógico” a que está associada
Defende-se que a situação dos tribunais comunitários ou qualquer iniciativa legal neste âmbito, seja amplamente discutida por todos os interessados, de modo a não criar situações de exclusão, nem a reforçar um modelo de justiça grandemente influenciado pelo imaginário colectivo socialmente partilhado, que tornam os tribunais comunitários espaços de violação da lei e dos princípios de igualdade de género.
Em relação ao crime de violação sexual de menores, denúncia e criminalização, sublinhou-se como constrangimentos que fomentam a impunidade dos violadores de menores: o desconhecimento da lei e dos procedimentos: desarticulação intra e inter institucional e a negligência médica e burocracia policial. Existe legislação mas esta carece de divulgação, regulamentação, avaliação e monitoria, sublinhando-se a necessidade do reforço dos mecanismos institucionais de formação e articulação, a harmonização dos critérios de registo de banco de dados e a necessidade de reforço das redes das Organizações da Sociedade Civil.
O sector da saúde apontou que a maioria das mulheres vítimas de violência se dirige normal e naturalmente às unidades sanitárias, ao invés das esquadras da polícia, devido às críticas de familiares e amigos. Os casos recebidos tanto dizem respeito a episódios recentes de violência, como a violência crónica ou passada. Dada esta proeminência no recebidmento de vítimas de violência, a saúde tem como papel, além de instituir o tratamento: a) advogar; b) criar uma rede de serviços; c) coordenar a provisão de cuidados integrados; d) garantir privacidade e segurança; e) garantir confidencialidade e d) mostrar sensibilidade perante a vítima e o seu problema.
Foram indicados como constrangimentos, a pouca coordenação entre as principais instituições a todos níveis e a nível central, e sublinhou-se a necessidade de reforço da colaboração intersectorial e harmonização dos instrumentos de trabalho, centrados na pessoa atingida por violência.
Tema 1: A polícia na defesa da cidadania e no combate a violência de género
A primeira consideração é de que se deve ter em conta que quando se fala em “Polícia” não se está a referir a um grupo homogéneo: existem hierarquias e competências diferenciadas entre os agentes policiais, pelo que qualquer estratégia de intervenção deve considerar estas diferenças.
Propõe-se como principais estratégias a formação contínua dos vários agentes, orientações para o funcionamento para cada sector no que respeita ao atendimento de casos de violência de género (pode ser em forma de guiões), com perguntas e diligências básicas de acordo com a lei e os regulamentos policiais.
Os constrangimentos para um melhor tratamento de crimes de violência de género continuam a ser o costume/tradição, que influenciam o comportamento dos agentes, e podem levar à falta de empatia no tratamento dos casos, e a falta de meios humanos e materiais. Decorrente desta carência, não existem centros de refúgio, que permitam socorrer de imediato as vítimas em risco e garantir a sua segurança.
Um outro problema é a falta de articulação com outras instâncias, da qual a comunicação deficiente é um reflexo. Foi referido que a ausência de articulação tem como efeito:
- Não haver retorno dos dados de casos pendentes, que transitam para outra instância
- Atrasos nos relatórios de Medicina Legal (laudo médico)
- Multiplicação dos dados estatísticos em todas as instituições
- Não haver seguimento da implementação do protocolo médico sobre a violação sexual de menores
- Deficiente comunicação com os media
Como propostas de melhoria recomendam-se campanhas de sensibilização e palestras para os agentes policiais, bem como dotar as instituições de meios humanos e materiais adequados às necessidades identificadas. Tomando em conta a diversidade entre os agentes policiais, a capacitação não deve centrar-se só nos agentes em serviço nos GAMC, mas incluir também os oficiais se permanência e o “patrulheiro”, e necessita de ser direccionada para a temática dos Direitos Humanos.
Propõe-se igualmente que haja a afectação de um procurador ao nível do GAMC
Nesta mesma ordem de ideias, urge a implementação do Mecanismo Multissectorial de Atendimento, acompanhado de um livro integrado de registo.
Uma outra proposta é a de ter um fórum regular que junte instituições várias e ONGs, com vista a possibilitar uma comunicação eficaz e concreta, na medida em que a Conferência mostrou a importância de eventos deste género, para pôr as instituições a dialogar entre si e com as ONGs.
Tema 2: A procuradoria na defesa da cidadania e no combate à violência de género
Para uma actuação mais eficaz no atendimento a crimes de violência de género, foram identificados alguns problemas, nomeadamente, inexistência de indícios da prática de crime, ambiguidade da Lei no que diz respeito à definição do conceito “relação amorosa” e “relação sexual” nos crimes de violência sexual, identificação do sujeito em alguns casos de violência doméstica.
Os problemas decorrentes da falta de prova poderão ser minimizados garantindo que:
- As diligências ordenadas e imprescindíveis para o processo sejam efectivamente cumpridas (produção de provas);
- Havendo provas documentais ou periciais produzidas antecipadamente ao despacho de triagem dos autos pelo Magistrado do Ministério Público, devem ser juntadas ao processo. Quando não há provas periciais deve-se ordenar que sejam produzidas de acordo com cada caso e/ou com a urgência (em relação ao processo sumário-crime, este fica de fora, na medida em que o seu encaminhamento ao julgamento não depende de instrução).
A principal questão centra-se nos processos que carecem de instrução (polícia correccional e querela). Em relação a estes frisa-se que quando são mal instruídos o Ministério público se abstém de acusar por causa da inexistência ou insuficiência de elementos que sustentam a acusação. Os processos que poderiam seguir acabam “morrendo” porque aguardam pela produção de melhor prova (finda a instrução preparatória) ou acabam sendo morosos, nos casos em que finda instrução preparatória segue-se a contraditória. Não havendo colaboração no âmbito da instrução contraditória porque a acusação formulada na instrução preparatória não é sólida, a instrução contraditória fica enfraquecida.
Foi também mencionada a ausência de articulação e comunicação inter-institucional, que tem como consequência a disparidade na produção de dados estatísticos, visões diferenciadas em relação ao crime de violência doméstica e um fraco envolvimento da sociedade civil na prossecução penal dos casos que ajudou a trazer à justiça.
Para fazer face a este constrangimento, sugere-se a criação de condições e de espaços para uma permanente comunicação entre as instituições, bem como a afectação de um magistrado do Ministério público nos Gabinetes de Atendimento da Mulher e Criança Vítima de Violência Doméstica.
Para além disto, também se defende a necessidade de uma revisão pontual da Lei (em relação aos aspectos que não estão claros) e ainda a divulgação da Lei e a sensibilização das comunidades para o problema da violência de género.
Tema 3: A saúde no tratamento às vítimas de violência e na produção de provas
A saúde tem um papel essencial entre o conjunto de instituições que lidam com vítimas de crimes de violência de género, nomeadamente na produção da prova, e na assistência médica e psicológica. O tema foi discutido nestas duas vertentes. Debateu-se também o papel do agente de saúde na denúncia de crimes de violência de género e a articulação entre as várias instâncias.
Produção da Prova
Começou por se sublinhar que a prática de um crime só se traduz em punição para o autor se em sede de actividade probatória se demonstrar que os factos existiram e que os rastos físicos ligam o autor à prática da infracção. Assim, entre os vários meios de prova que são admissíveis em direito, a prova pericial é relevante. Esta, no domínio criminal e atento ao crime de violência doméstica em que há lesões corporais da vítima, é evidenciada através de um relatório médico. Esta é a narração escrita e minuciosa de todas as operações de uma perícia redigida por um médico obedecendo a normas que facilitem a sua análise.
Em Moçambique há várias questões que se podem levantar sobre este assunto, em função da disponibilidade de recursos materiais e humanos na área de jurisdição. A existência de um médico legista num determinado lugar depende das condições desse mesmo lugar, e a apreciação do paciente pode variar consoante o seu estado de gravidade (lesões graves ou leves).
Por vezes, antes da vítima ter qualquer assistência ou antes do levantamento do relatório é encaminhada para a polícia, para proceder ao levantamento do auto. Só depois deste procedimento é que a polícia passa uma guia para a vítima se apresentar ao hospital de modo a submeter-se à perícia. Entretanto, muitos colegas da saúde têm atendido a vítima logo que ela entra no banco de socorros. Este atendimento visa minimizar a gravidade das lesões e aplicar a medicação tendente a curar as feridas, mas afecta a qualidade (ou torna impossível) do exame pericial.
Posteriormente a vítima é remetida ao Gabinete de Atendimento ao Utente, que é no geral um espaço de auscultação, mediação e participação do cidadão, que tem como função prestar serviços de saúde de melhor qualidade. É neste gabinete que é feito um interrogatório preliminar à vítima para explicar as motivações da lesão e os laços ou familiaridade que existe entre ela e o agressor. Em função das respostas dadas pela vítima ou pelo acompanhante dela, o técnico de saúde vai encaminhá-la à polícia para as providências posteriores.
Considerando estas situações, os desafios são os seguintes:
- Produção de um relatório preliminar nas situações em que não é possível obter um relatório mais exaurido;
- Formação de mais médicos legistas ou capacitação de técnicos de medicina para actuarem na área da medicina legal;
- Extensão da experiência do HCN (Nampula) de paragem única, onde no mesmo espaço estejam o médico-legal, o internista, o psicólogo e o agente policial, de modo a que a vítima esteja menos exposta.
Atendimento médico e psicológico das vítimas
O atendimento médico visa perceber o alcance das lesões físicas sofridas pela vítima, ao mesmo tempo que o suporte psicológico tem em vista confortá-la no sentido de lhe proporcionar bem-estar e tranquilidade interior. É importante enfatizar que a violência causa graves problemas de natureza emocional e física. Causa problemas de saúde como dores crónicas (costas, cabeça, pernas, braços, etc.), síndrome de pânico, depressão, tentativa de suicídios e distúrbios alimentares.
O apoio psicológico é proporcionado por psicólogos que ajudam a vítima a analisar o seu comportamento, as suas emoções e a forma como encara a realidade. Permite a consciencialização das potencialidades individuais e o desenvolvimento das estratégias necessárias para resolver os seus problemas. O psicólogo ajuda ainda na compreensão e reorganização das relações interpessoais, tanto no espaço familiar assim como nos outros contextos sociais.
Enquanto o atendimento físico é plenamente alcançado, o número de psicólogos está longe de satisfazer a demanda. Neste sentido, o desafio preponderante passa por integrar apoio psicológico para todos os tipos de violência nos GAMC.
Dever de denunciar por parte dos agentes da saúde
A questão central é: que factores influenciam a não denúncia? O que fazer para melhorar?
Na maioria das vezes os agentes de saúde não conhecem a lei da violência doméstica contra a mulher. Por conseguinte, não têm informação sobre os deveres que a mesma impõe à sua actuação. Outra razão para a não denúncia advém do facto da própria vítima não pretender meter queixa contra o instigador. A vítima afirma que foi ao hospital apenas para ser curada e não tem intenção de queixar contra o agressor. Na maioria dos casos o agressor é marido ou namorado da vítima.
A solução para aumentar o número de denúncias à polícia por parte dos agentes de saúde passa por uma maior disseminação da Lei para melhor cumprimento dos ditames que ela impõe.
Problemas na articulação entre a Policia, MMAS, Procuradoria, Saúde e Sociedade Civil no combate e encaminhamento das vítimas de violência
Na prática existem instituições que julgam ser mais legítimas do que as outras. Exercem o seu papel mas criam obstáculos às outras e dificultam o acesso à informação, pois não existe um canal que permita tomar conhecimento formal sobre as várias etapas do processo. Outro empecilho tem a ver com a distância entre as instituições, como exemplo, temos os distritos onde existe apenas um Procurador, pelo que os processos são menos céleres.
Reconhecem a validade do Mecanismo Multissectorial de Atendimento aprovado pelo Governo, mas considera-se que não passa de Lei morta, pois existem as estruturas físicas mas faltam os serviços. Como solução propõe-se a definição clara e precisa de papéis de cada actor, para melhor atendimento integrado e consolidação das instituições envolvidas.
Propõe-se ainda que os organismos que financiam o Estado deviam incentivar a produção científica no campo da violência doméstica.
Tema 4: MMAS, Educação e outras instituições do Estado na assistência e encaminhamento das vítimas de violência
Reconhece-se que o papel das Direcções da Mulher e da Acção Social é de receber e encaminhar as vítimas para os GAMC e às autoridades competentes, ficando depois incumbida de garantir a sua reinserção social. No GAMC as vítimas recebem aconselhamento e acompanhamento psicossocial.
Não existem condições óptimas para protecção e abrigo imediato às vítimas, e na situação actual dispõe-se de: infantários, centros de aconselhamento dos idosos, centro de trânsito de utentes (espaço usado na época da guerra civil para os deficientes receberem tratamento médico).
Dada a natureza do trabalho, que implica muita interacção na comunidade e com líderes locais, sugere-se que a acção destas direcções seja fortalecida através de programas de sensibilização para a igualdade de género e contra a violência, nomeadamente através de palestras, debates radiofónicos e televisivos (advocacia nos media), marchas públicas em datas comemorativas, teatro que expresse de forma clara os efeitos nefastos da violência doméstica, sessões educativas e visitas domiciliárias de sensibilização nos locais ou casas em que ocorrem actos de violência doméstica.
Consideram haver falta de articulação entre as ONGs e as instituições do Estado, resultando na falta de acesso a informação sobre o desfecho dos casos que foram denunciados. Referiu-se também pouca clareza na definição de papéis das instituições governamentais que tratam da violência doméstica e falta de recursos financeiros e materiais.
Propõe-se maior articulação entre as instituições do Estado e uma maior coordenação entre as ONGs e as próprias instituições do Governo.
Tema 5: O Mecanismo Multissectorial de Atendimento à Mulher Vítima de Violência Doméstica
Neste tema foi discutido o Mecanismo Multissectorial de Atendimento Integrado à Mulher Vítima de Violência Doméstica, aprovado pelo Conselho de Ministros em 2012. Foi feita uma apresentação inicial pela responsável do MMAS que conduziu o processo, seguido por uma discussão em grupo, sobre a articulação intra e inter institucional na protecção dos direitos das mulheres e na luta contra a violência de género. As conclusões foram encaminhadas ao MMAS, para tomada de consideração no processo de implementação deste instrumento.
A aprovação deste Mecanismo vem responder a necessidades muito concretas sentidas por todos os agentes que intervêm na resolução de crimes de violência de género (tanto do Estado como de ONGs), algumas das quais foram levantadas durante a Conferência. Esta sessão serviu sobretudo para divulgar o conteúdo do documento aprovado e foi uma ocasião para esclarecer dúvidas.
Apresentam-se de seguida algumas das conclusões dos grupos de trabalho.
Há concordância em relação à designação de Centro de Atendimento Integrado (CAI).
Propõe-se que:
- O Grupo Alvo dos Centros de Atendimento Integrado sejam todas as vítimas de violência, independentemente do sexo e da idade;
- O regime do atendimento enquadre todos os casos, devendo-se garantir a segurança das vítimas em crimes mais graves, concretamente através do internamento;
- Os serviços do CAI integrem a seguintes instituições: Polícia, Saúde, Procuradoria, Acção Social, IPAJ.