Breves
Ritos de iniciação: resultados da pesquisa
No passado dia 8 de Agosto a WLSA realizou em Maputo um seminário de divulgação dos resultados de uma pesquisa sobre ritos de iniciação. Apresentamos aqui um resumo deste encontro.
O seminário de 8 de Agosto de divulgação dos resultados da pesquisa sobre ritos de iniciação realizada entre 2011 e 2013 na cidade de Maputo e em quatro províncias do país, contou com a participação de 50 pessoas que trabalham nos sectores da educação e saúde e ainda com muitas organizações da sociedade civil que trabalham com direitos humanos das mulheres e das crianças. É de salientar ainda a presença de muitos parceiros da WLSA, como a Embaixada da Holanda, OXFAM-NOVIB, OXFAM Bégica, USAID e UNICEF.
As apresentações aprofundaram os mecanismos utilizados nos ritos de iniciação para a construção das identidades feminina e masculina, tendo sido salientados os seguintes aspectos:
- Os pressupostos do nosso estudo assentaram numa concepção de cultura que se refere a representações e práticas que orientam os comportamentos e saberes das pessoas e as identificam com um grupo ou lugar. E que se encontra sempre em processos de ajustamento e recomposição. Por esta razão nós rejeitamos a visão culturalista que concebe a cultura como homogénea, imóvel, fixa e imune à mudança. Para nós esta visão de cultura como algo essencialista e natural aos seres humanos, esconde uma ideologia que utiliza a diversidade e a tolerância cultural para aprisionar as pessoas a modos de vida e de pensar imutáveis.
- A abordagem adoptada mostra como a questão dos direitos humanos não pode ser entendida separadamente da cultura e no nosso caso dos ritos de iniciação. Porque os ritos como veremos, ao estabelecer como cada um e cada uma se deve comportar e relacionar, delimita o acesso a direitos
- Relativamente aos marcadores que determinam o processo ritual, fica evidente que tradicionalmente a “ida” aos ritos é feita para os rapazes após os primeiros sinais de puberdade biológica e para as raparigas depois da primeira menstruação. Contudo constata-se em todos os grupos etno linguísticos uma diminuição da idade, tanto para as raparigas como para os rapazes (embora mais para estes), devido (tal como que muitas matronas e mestres nos afirmaram) ao perigo de que quanto mais velhos e velhas as meninas fossem menos garantia há de que ouvirem e obedecerem aos conselhos recebidos.
- A duração dos ritos varia com o grupo etno linguístico e com estatuto social das famílias. O que observamos é que de forma geral os ritos dos rapazes são, mesmo nas capitais provinciais, mais longos, cerca de um mês e mais breves para as raparigas, muitas vezes apenas entre três a sete dias, mas também encontrámos ritos femininos com a duração de um mês. A explicação que nos foi fornecida para o encurtamento dos ritos é que as famílias não têm dinheiro e matronas e mestres e outros agentes exigem muito dinheiro para fazer as cerimónias, o que indicia uma certa mercantilização dos ritos.
- Relativamente ao espaço entendido não só como lugar onde se realiza o rito mas como afirma Terrin como condição para realizar um rito, mas também como rito em si, esse espaço é um espaço sagrado onde se materializa a separação e onde se produz a aprendizagem e se recompõe a ordem social. Por isso o espaço é interdito aos não iniciados e às mulheres.
- O segredo constitui o dispositivo principal que compromete as crianças com a aprendizagem, sendo uma forma clara de exercício de poder, pois a proibição de divulgação das cerimónias constitui um modo de preservar os ensinamentos como verdades inquestionáveis. O que é interessante foi constatar que o segredo começa a ser questionado devido à frequência da escola e à obtenção de nova informação.
- A divisão sexual do trabalho, o respeito e a vida sexual são as componentes principais da aprendizagem ritual.
- A divisão sexual de trabalho é uma componente que se inicia nos primeiros anos da criança (carregar água, tratar das mais pequenas) e que os ritos reforçam, delimitando bem o papel do homem e da mulher.
- O respeito é uma das componentes principais dos ritos de iniciação, estando intimamente relacionada com a desigualdade entre mulheres e homens, sendo que o seu conteúdo tem claramente a ver com a herança cultural e com a forma como se estruturam as relações sociais de género. O incumprimento do que é tomado como respeito é apresentado como argumento para a violência doméstica, porque significa transgressão à aprendizagem ritual.
- Relativamente à vida sexual constata-se que as cerimónias rituais das jovens concentram-se na aprendizagem de como “tratar” sexualmente os parceiros, porque são eles a garantia da sobrevivência cultural da comunidade em termos de reprodução das hierarquias e da conservação da coesão comunitária. Neste sentido, as matronas têm como função assegurar que o mandato masculino para a dominação se cumpra. Em nenhum momento da pesquisa foi observado, por parte das agentes que orientam os ritos femininos, uma intenção de transmitir a importância da escola e do trabalho no espaço público, vinculando, pelo contrário, como nuclear a aprendizagem sobre o corpo sexuado.
- Ficou claro em todas as unidades espaciais que os ritos incitam e legitimam o início precoce da vida sexual. Isto conduz a que os “casamentos” prematuros sejam percebidos como normais, dentro de uma naturalidade que aparece aos olhos de quem os promove (as famílias e a comunidade) como legítimos, não apenas como estratégia de sobrevivência, mas como exercício de uma prática cultural considerada como estruturante da condição feminina.
- O normativo que orienta a construção da identidade das meninas nos ritos é claramente uma forma de disciplinar e orientar para valores e comportamentos submissos. Isto não significa que, devido mais à modernidade do que ao conhecimento tradicional sobre o corpo, aprendido nos ritos, as jovens não possam resistir para desenvolver dispositivos que, agradando o parceiro, lhes confere algum poder. Mas esse poder é limitado e constrangido pelos atributos e pelos dispositivos que disciplinam o corpo. Isto significa que o poder das mulheres é um poder necessário para a construção das relações de dominação. As mulheres têm o poder dos que não têm poder, conformando-se, resistindo ou arranjando formas de contra poder, que mais das vezes têm como premissa a naturalização e reafirmação do poder masculino, nas quais se inserem algumas práticas ensinadas durante os ritos.
- Relativamente à aprendizagem dos rapazes sobre o seu corpo e o corpo das mulheres, é realizado um conjunto de práticas que exercitam a sexualidade e potenciam a virilidade através do uso de plantas como o gonandzlolo e kisangongo que prolongam a relação sexual e que permitem realizá-la muitas vezes. As palavras malhar, furar, meter constantemente referidas pelos rapazes quando falam de sexualidade, representam o exercício do poder masculino que em nenhum momento pode ser questionado ou negado.
- Há mudanças que têm efeitos no sentido que as jovens e os jovens conferem aos ritos. Refiro-me agora e só aos conflitos entre a aprendizagem nos ritos e na escola. Se há 40 ou 50 anos era ínfimo o número de crianças que iam à escola, hoje o acesso à escola é universal, principalmente nas primeiras classes. Devido à aprendizagem realizada na escola que põe em causa muitos dos mitos transmitidos nos rituais de iniciação a que se aliam os discursos dos direitos humanos e a possibilidade de acesso de rapazes e raparigas a outras fontes de informação, constata-se a existência de abalos, e algumas rupturas no modelo tradicional que têm como resultado a resistência das crianças mais velhas de participarem nos ritos e de casarem prematuramente.
Depois das apresentações realizaram-se discussões em grupo, tendo-se chegado às seguintes conclusões gerais:
- Necessidade de definição de estratégias que combatam o “casamento” prematuro e o abandono escolar, através da articulação dos sectores do Estado, particularmente saúde, educação e acção social.
- A sociedade civil deve definir com mais clareza as estratégias e os grupos alvo a formar com o objectivo de não apenas divulgar conhecimento sobre direitos humanos das mulheres e das crianças, mas de criar espaços de denúncia e de acolhimento para as vítimas dos casamentos prematuros.
- O sistema de administração de justiça deve cumprir a lei, sancionando severamente a violação de direitos das crianças como os “casamentos” prematuros.
- Os media devem publicitar os acórdãos sobre violação de direitos, embora protegendo as identidades das vítimas e dos agressores.
- As instituições culturais devem ser percebidas tendo em conta os contextos políticos, económicos e sociais e não podem sobrepor-se aos direitos humanos. Todos os factores que perpetuem práticas culturais nocivas aos direitos das crianças, nomeadamente, através da legitimação da desigualdade de género devem ser combatidos.
Para ler ou descarregar o relatório da pesquisa, clique aqui.
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Os ritos de iniciação são instituições culturais praticadas nas zonas centro e norte de Moçambique (segundo o artigo). durante a leitura nao senti a diferenciacao entre os ritos de iniciacao realizados na zona centro e norte, em que regiao os ritos duram uma semana, tres dias ou um mes.
ao meu entender o autor do artigo leu os ritos de iniciacao a luz de outra cultura e nao a luz da daquela cultura aonde se realizam os ritos de inicicao.Por ex: eu passei pelos ritos de iniciacao por um mes, mas nao passei por castigos como afirmastes que: Os ritos de iniciação são também muito violentos para os rapazes, em que com castigos inomináveis eles aprendem a ser dominadores, aprendem que depois de iniciados devem começar a preparar-se para serem homens e para proverem uma família.
tenho muita coisa para vos dizer, mas voces nao estao preparados para esta conversa.
Este artigo ainda deixa muito a desejar. muita coisa que é questionada. Este artigo é mais uma forma de os ocidentais querer impor que as culturas dos países do sul (africanos) estão erradas. Nesse artigo fala só dos aspecto negativos e na minha óptica são preconceituosa.
Eu também passei pelo ritos e aprendi muita coisa boa e não passei pelo sofrimento ou seja castigo e passei 30 dias. Portanto, é importante estudar o fenômeno sem preconceitos, para não influenciar nos resultados.
Contudo não estou a negar que existam aspectos negativos nesses ritos de iniciação. Mas é importante estudar caso a caso.
Precisamos desenvolver pesquisas com métodos bem solido e não superficial.
Mas em todo caso parabéns pelo artigo, de certa forma ele contribui para algum entendimento.
Agradecemos os comentários mas queríamos chamar atenção para os seguintes aspectos:
1. O artigo é apenas um dos resultados da pesquisa que foi realizada durante mais de 18 meses em 5 províncias do país e cuja publicação pode ser encontrada neste site.
2. O tempo de realização dos ritos muda de zona para zona, sendo que de uma forma geral os das raparigas são mais curtos. Por exemplo, e principalmente nas capitais provinciais e distritais encontrámos raparigas que só tinham realizado os ritos durante 3 dias.
3. Os ritos dos rapazes são muito violentos, como está amplamente documentado no livro. O argumento que é utlizado por mestres e jovens é que eles têm que aprender a ser homens, a mandar na família quando a constituírem, a serem obedecidos. Por esta razão há práticas, principalmente nocturnas, que servem para amedrontar e levar as crianças ao limite. Não é por acaso que há algumas décadas e ainda nalgumas zonas, no final dos ritos os rapazes são deitados e cobertos com lençóis e os pais vão levantando os panos para confirmar que os seus filhos passaram a provação (não morreram).
4. Hoje a idade para a realização dos ritos é mais baixa, muitas vezes as crianças têm entre 10 a 12 anos. Quando perguntámos aos mestres e matronas porque razão isto acontecia, responderam que hoje como as crianças iam à escola ficam muito mais “espertas” e não “obedecem”, o que significa que a escolarização permite a rejeição da violência e a descrença no que lhes é transmitido nos rituais.
5. Os ritos como qualquer prática cultural em qualquer parte do mundo vão-se alterando, deixando de ser fundamentais para a formação dos e das futuras mulheres e homens.
6. Para terminar, gostaria de dizer que dos 5 investigadores, todos moçambicanos, apenas um não tinha passado pelos ritos. Por isso, o argumento de que são ocidentais que fizeram o estudo não colhe.
Conceição Osório