Breves
Que modelo de participação política das mulheres?
A partir de uma reflexão sobre os programas dos partidos representados na Assembleia da República e as possibilidades de participação das mulheres, este texto debruça-se sobre o modo como as referências culturais são usadas para justificar a dominação masculina.
Género e democracia: como o modelo cultural condiciona o acesso das mulheres à política
No caso das eleições de 2009, quando nos referimos à relação cultura/género e democracia, torna-se incontornável evidenciar que embora a política de quotas seja um dos mecanismos mais rápidos para se atingir a igualdade quantitativa no campo político, é certo, também, que quando não se despoletam outros meios que permitam contribuir para uma maior equidade e inclusão da problemática dos direitos humanos das mulheres no discurso e na acção política, a igualdade de género se restringe e se esgota na distribuição de lugares nas instâncias de poder, constrangendo a participação política a um processo formal de acesso a posições de mando. Este facto estimula, na verdade, a ocultação de uma estrutura de desigualdade, resultando numa certa complacência masculina com o que se considera a incompetência das mulheres para aceder sem “ajuda” (como acontece com a “normalidade” masculina) a lugares de tomada de decisão. A situação de condescendência relativamente às mulheres reflecte-se por exemplo, na distribuição de recursos no seio dos partidos, com manifestações discriminatórias, em que a dimensão simbólica no exercício do poder se torna particularmente relevante, como acontece com a utilização de estereótipos sempre que está em jogo a distribuição do poder.
Se analisarmos as orientações programáticas dos três partidos, claramente expressas nos manifestos eleitorais, embora se diferenciem no seu cometimento com a igualdade de direitos entre mulheres e homens,[1] particularmente com a necessidade de transversalizar a inclusão de direitos nas propostas eleitorais, nenhum deles localiza a desigualdade de género no modelo cultural. E esta situação é tão mais interessante, quanto se constata que as organizações femininas dos partidos, que deveriam ter como objectivo a defesa dos direitos humanos das mulheres, se reconhecem e se identificam (e de forma mais assertiva que os documentos emanados dos órgãos centrais dos partidos) com um modelo que ao mesmo tempo que lhes confere igualdade no espaço público (tido como único produtor do político), as remete para a conservação da ordem social que na família as subordina.
Embora na selecção das e dos candidatos/as não tenham sido evidenciados critérios com fundamento no sexo, a verdade é que os discursos e as práticas na campanha eleitoral transmitem uma separação entre privado e público a que os homens, mas também as mulheres, recorrem para demarcar estratégias e espaços, ancorando a circulação e a distribuição de poder nos atributos classificatórios do feminino. É exemplo a subserviência manifestada por algumas mulheres que constrangem as suas intervenções políticas à caução dos seus colegas ou camaradas, que se constituem assim, em fonte de legitimação. Por outro lado, estas posições que parecem caucionar a hierarquização de funções e papéis no partido podem ser consideradas como um esforço de recuperação do campo político como lugar masculino de confronto e de mando.
No que se refere ao exercício democrático no seio dos partidos, embora todos os candidatos e muitas das candidatas afirmem existir igualdade na distribuição de recursos e poder no seio dos partido a que pertencem, quando se referem à articulação entre exercício de direitos na família e no partido e à interacção entre os dois espaços, a maioria das mulheres concilia a reivindicação de igualdade no partido, lutando por recursos e disputando posições, ao mesmo tempo que conservam, defendem e propagam as hierarquias e os valores em casa
O discurso da contestação ao modo como são distribuídas funções políticas e os lugares nas listas de candidaturas e sua percepção de ausência de direitos no espaço privado é expresso apenas por um pequeno grupo de mulheres que se situam na margens das lutas pelo poder (ou que pelo contrário aí conquistaram posições importantes) e que se referem, por exemplo, às organizações femininas dos partidos como mais um lugar de ressonância das directrizes partidárias, do que a um espaço de concertação de estratégias em prol da defesa dos direitos humanos das mulheres.
Portanto, se existem sinais de mudança que se traduzem no aparecimento de uma tendência que questiona os valores e o exercício do poder em função de um modelo cultural que estrutura a subalternidade, predomina ainda uma perspectiva de direitos que perpetua a desigualdade de género e que recorre às referências culturais para justificar a dominação masculina. É esta cultura que produzindo (e reproduzindo) a violência de género, se torna, principalmente nos últimos anos, em fonte de legitimação para travar a luta pela igualdade de género.
Por Conceição Osório
[1] Por exemplo, sendo o Programa do partido FRELIMO o único dos três partidos que apresenta claramente uma perspectiva de igualdade em termos de desenvolvimento de acções para a promoção do acesso das mulheres a recursos e a direitos, não é contudo suficientemente explícito no que se refere à localização da desigualdade de género na estrutura sociocultural.
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