Breves
O desafio da universalidade dos direitos humanos em Moçambique
Os direitos humanos são universais? Um texto de opinião discute a relação entre cultura e direitos humanos, defendendo que nenhuma norma, regra, cultura ou tradição deveria estar acima do exercício dos direitos humanos.
A declaração universal dos direitos humanos é um documento fundamental de defesa dos direitos humanos que regula os direitos fundamentais, civis, políticos e sociais de que devem gozar todos os seres humanos, sem discriminação de raça, sexo, nacionalidade, religião, língua, entre outros. Estes direitos referem-se a um conjunto de princípios de carácter universal, e estão estritamente ligados à dignidade humana, sendo que não é possível vendê-los, trocá-los, doá-los ou dividi-los, pois são direitos inerentes ao ser humano.
A universalidade dos direitos humanos permitiu a existência de um sistema internacional de protecção das cidadãs e dos cidadãos através de tratados, convenções e pactos internacionais, nos quais os países-membros comprometem-se com a efectivação destes direitos. Os países que assinam esta declaração devem tornar possível a sua aplicação para assegurar as liberdades fundamentais e individuais dos cidadãos. Isto passa pela elaboração de políticas públicas e aprovação de leis que garantam o princípio da universalidade dos direitos humanos.
É neste sentido que, interpretados e integrados de harmonia com a declaração Universal dos Direitos Humanos, a Constituição da República de Moçambique, por exemplo, estabelece, no art. 35º, que:
“Todos os cidadãos são iguais perante a Lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção politica”.
Complementando este princípio, foram sendo feitas várias reformas nas leis, de modo a estarem em conformidade com os vários acordos e tratados assinados e ratificados. A Lei da Família (Lei nº 10/2004), por exemplo, reflecte esta situação, uma vez que os assuntos que regulavam as situações familiares na legislação anterior eram fundamentados num sistema patriarcal e retratavam a desigualdade entre homens e mulheres, violando assim o princípio da universalidade dos direitos humanos.
Porém, não bastam apenas boas leis e uma Constituição que reflictam a universalidade dos direitos humanos. É necessário que os cidadãos e as cidadãs conheçam e reconheçam os seus direitos. Este reconhecimento passa pelo acesso à informação, acesso às mesmas oportunidades de ensino, ou seja, homens e mulheres devem ser tratados da mesma maneira em todos os domínios da vida política, económica, social e cultural. Esta igualdade não deve ser somente ao nível formal, isto é, apenas ao nível do discurso e da legislação. Esta deve ser implementada pelas instituições sociais responsáveis por transmitir conhecimentos e formar identidades de género. Isto envolve comportamentos e atitudes que respeitem a dignidade humana.
Neste âmbito, nenhuma norma, regra, cultura ou tradição deveria estar acima do exercício dos direitos humanos. A menção às particularidades e aos diversos contextos históricos, e o respeito pelas diferenças culturais e religiosas, não deve ser interpretado como permissão para a existência de um “espaço não regulamentado”, ou um argumento para não aceitar os direitos humanos.
Existem práticas culturais que ainda hoje legitimam a desigualdades entre homens e mulheres e constituem violações aos direitos humanos. São práticas que, embora dinâmicas, resistem à evolução dos costumes, da cultura, e da educação, particularmente no que concerne aos direitos das mulheres e à sua participação pública. Falamos, por exemplo, da violência doméstica contra as mulheres, da violência sexual, das gravidezes precoces e dos casamentos prematuros, entre outros. Em relação a esta última prática, Moçambique ocupa a 7ª posição no ranking de países com 55,9% de raparigas que se casaram antes dos 18 anos.[1] Estas e outras práticas são legitimadas pelas tradições culturais.
A cultura não deve constituir um entrave à dignidade humana, ao exercício do direito à escolha e à auto-afirmação das cidadãs e dos cidadãos. Deve sim, ser um meio de promoção e protecção dos direitos humanos, ajudando a determinar os modos e os meios mais efectivos para superar as dificuldades na implementação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. O grande desafio dos direitos humanos que se colocam para o século XXI é a construção de uma ordem internacional inclusiva em que as liberdades e os direitos humanos sejam garantidos a todos e todas cidadãos e cidadãs.
Por Yolanda Sitoe
Referências:
Constituição da Republica de Moçambique: texto aprovado na Assembleia da República em 16 de Novembro de 2004. Escolar Editora.
Moçambique. Lei n˚10/2004, Lei da Família.
Arthur, Maria José. O casamento prematuro como violação dos direitos humanos. Um exemplo que vem da Gorongosa. Publicado em “Outras Vozes”, nº 31-32, Agosto-Novembro de 2010.
[1] Cf. Arthur, Maria José. O casamento prematuro como violação dos direitos humanos. Um exemplo que vem da Gorongosa. Publicado em “Outras Vozes”, nº 31-32, Agosto-Novembro de 2010.
Estimei bastante muita informacao. Rica gostava de sugerir que explicaSsem com mais promenor questoes relativas ao emponderamento e emancipacao da mulher
Texto formidável, informativo e que nos faz refletir sobre essas questões de universalidade que muitas vezes ficam no plano formal, do discurso e do discurso da lei, sem no entanto se considerar o contexto, mudanças sociais rumo ao estabelecimento de uma cultura de paz, verdadeiramente universalista.
De louvar aos fazedores da divulgacao sobre o respeito pela universalidade DH, pude encontrar a veracidade daquilo que rege contra ou a favor no que diz respeito a integridade e alem de tudo a dignidade humana. Que assim seja.