Breves
A mendicidade e a vadiagem no Código Penal
Procupado com a revisão do Código Penal, o Fórum da Terceira Idade elaborou uma nota ao Parlamento comentando a inclusão da mendicidade e da vadiagem como crimes. Esta nota, que foi também subscrita por outras organizações, é reproduzido em baixo.
Exmo. Sr. Presidente da Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade
Assembleia da República, Maputo
Preocupados com a revisão do Código Penal, lei tão importante para a garantia dos direitos dos cidadãos, queremos, em nome das organizações membros do Fórum da Terceira Idade, fazer-lhe chegar as nossas considerações sobre as matérias que mais directamente atingem o grupo alvo que representamos, que são a mendicidade (art. 187º) e vadiagem (art. 186º).
Passamos a apresentar:
A MENDICIDADE
A proeminência do papel sacrossanto do mendigo até ao início do século XX está directamente relacionada com a religião católica. A função do mendigo era receber a esmola e retribuir através de uma «contraprestação», muitas vezes declarada sob a forma de prece. O mendigo era uma figura mediadora entre Deus e os crentes, o pobre que pedia e a quem os pecadores retribuíam para atingirem a salvação.
Até ao primeiro triénio do século XX, a mendicidade era encarada como um acto «normal», indispensável na rectificação das contrariedades económicas resultantes das adversidades da vida. Era uma possível solução para quem estava sujeito ao desemprego, na velhice, ou cujo salário não cobria as necessidades familiares, não podendo escapar à inevitabilidade da procura de outras formas compensatórias. Quer no meio rural quer nas cidades, a mendicidade era tolerada e considerada lícita por parte das autoridades, desde que fossem cumpridas certas regras. Aos mendigos era-lhes permitido pedir em romarias e festas, em procissões e em feiras.
A via da modernização da sociedade tornou-se um factor de mudança na forma de representar o mendigo. Caracterizado pelo mau aspecto físico, o desmazelo, a sujidade da roupa e do corpo e os problemas de saúde originados por estes factores, o mendigo espelhava a existência de obstáculos ao desenvolvimento social. Vivendo em condições degradáveis, o mendigo não trabalhava e a sua ociosidade transformava-o, aos olhos da sociedade, em mão-de-obra desperdiçada. Convertia-se numa imperfeição da sociedade que era necessário debelar. Esta alteração sociopolítica no país originou, no mendigo, a perda do seu estatuto sagrado, modificando o seu papel social e a mendicidade acabou por «… ser equiparada a uma verdadeira indústria e escola de crimes».
Os mendigos, principalmente nas cidades, começaram a ser descritos como incómodos, inoportunos, malcriados e por vezes desordeiros. O acto de pedir passou, também, a ser referido como uma indústria proveitosa, bens ganhos sem esforço de trabalho operário à custa da boa vontade de alguns indivíduos caridosos.
Em Moçambique, à semelhança dos restantes países do mundo, a mendicidade está directamente relacionada com situações económico-sociais. Toxicodependentes, pessoas idosas, deficientes, doentes mentais, são muitos dos mendigos que enchem as ruas das cidades. Não lhes é atribuída nenhuma simbologia sagrada, no entanto também não são escondidos e encarcerados. São uma realidade com a qual o cidadão se depara.
Ouvem-se algumas vozes de quem acha que deveria haver formas para afastar quem perturba a ordem social.
Mas, ao mesmo tempo não nos podemos esquecer que é anti-constitucional retirar a liberdade a quem a Constituição da República a concede (art. 56 e seguintes).
A liberdade é um Direito Humano inalienável, como tal não lhes deve ser imposta qualquer tipo de violência.
Em Moçambique existem mais de 1.800.000 pessoas idosas, 80% das quais são vulneráveis, com menos de um terço (1/3) de dólar americano por dia (Balanço do PES de 2008: Linha Nacional de Pobreza: Consumo “per capita” 8,5Mt por dia por pessoa).
A mendicidade nas zonas rurais não é tão gritante, preocupante e confrangedora como nas grandes cidades, nos centros de poder e decisão, onde, aos olhos de dirigentes ela se pratica, porque os seus praticantes são marginalizados, discriminados, excluídos socialmente, impedidos de acesso ao crédito bancário, acusados de improdutivos, expulsos da família, violentados, conotados com a feitiçaria e mortos à catanada (Maputo, Sofala, Zambézia em Inhassunge, como exemplos).
Apesar de todos os esforços, o Fórum da Terceira Idade e outras organizações da sociedade civil não encontram instalações, espaços, sensibilidades e apoios no seu combate contra a mendicidade. Este é um problema a ser resolvido e não um crime que deve ser combatido.
Esta rede de mais de 16 organizações que operam em todo o país, não aceita que o mendigo seja o primeiro a ser penalizado, a não ser que fornecidas e na posse daquelas condições para ganhar a sua vida pelo trabalho se verificasse reincidência. Por isso, propomos a eliminação do art. 187º.
A VADIAGEM
O termo vadio encontra-se relacionado com a mendicidade. Detecta-se uma uniformidade no discurso do desocupado e do vagabundo. A vadiagem mantém uma relação directa com a ociosidade, mas também com o nomadismo. Um vadio não se fixa num determinado local, vagueando sem residência permanente e vivendo uma vida errante.
A mendicidade e a vadiagem não devem ser vistos apenas como um problema do Governo. Todos nós, a sociedade em geral, temos a obrigação de dar o nosso contributo, de modo a identificar de forma conjunta acções que possam reduzir esta prática nas cidades moçambicanas, tendo sempre presente o princípio da universalidade e igualdade, previsto no art. 35º da Constituição que dispõe: “Todos os cidadãos são iguais perante a lei, gozam dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres, independentemente da cor, raça, sexo, origem étnica, lugar de nascimento, religião, grau de instrução, posição social, estado civil dos pais, profissão ou opção política”.
Muitas pessoas idosas trabalharam para o Estado ou Empresas, outras, talvez a maioria, o fizeram também, mas não puderam descontar para a reforma, por questões históricas, e ainda outras não trabalharam nem para o Estado ou Empresas, contudo contribuíram para o desenvolvimento do país. Estando na terceira idade, sem recursos, sem pensão ou quaisquer apoios, não devem ser considerados vadios, pelo facto de não possuírem condições materiais, não disporem de acesso ao crédito bancário, ao emprego por limitação de idade. Veja-se que o sector informal absorve mais de 80% da mão-de-obra activa e o emprego tem as suas regras, mesmo o informal, que as pessoas idosas dificilmente conseguem penetrar.
Por estes motivos, propomos a eliminação do Artigo 186º.
Esperamos ter contribuído positivamente para este tão importante debate que a Comissão Parlamentar dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos e Legalidade, da Assembleia da República, está a promover.
Subscrevemo-nos atenciosamente.
Maputo, 14 de Agosto de 2012
O Coordenador do Fórum da Terceira Idade (FTI)
Conde de Libanha Fernandes
Subscrevem esta nota as seguintes organizações:
- Associação Moçambicana das Mulheres de Carreira Jurídica
- Associação Moçambicana dos Juízes
- CECAGE – Centro de Coordenação dos Assuntos do Género (UEM)
- Centro Terra Viva
- Fórum da Terceira Idade
- Fórum Mulher
- MULEIDE – Mulher, Lei e Desenvolvimento
- WLSA Moçambique – Mulher e Lei na África Austral
Pior o que acontece. Para filhos e netos que acusam pais e avos de feiticeiros e maldosos. Acham qe se o fossem, teriam os criados ate a idade adulta? reflictam. lEMBREM-SE QUE O IDOSO E BIBLIOTECA VIVA. SE O MATARMOS, QUE IRA NOS TRASMITIR EXPERIENCIAS PASSADAS?
e bom saber k a vida tem desafios
[…] índice de mendicidade na cidade do Maputo tende a crescer. Cada dia que passa novos efectivos procuram viver graças a […]