Breves
Os direitos da criança na proposta de revisão do Código Penal
O Fórum das organizações da sociedade civil para os direitos das crianças elaborou uma análise sobre a proposta de revisão do Código Penal, que enviou à Assembleia da República. Apresentamos em seguida uma síntese do seu conteúdo.
Os direitos da criança na proposta de revisão do Código Penal
Análise submetida à Assembleia da República
O ROSC é um fórum das Organizações da Sociedade Civil para os Direitos das Crianças[1]. Nesta qualidade, elaborou um parecer designado “Análise dos direitos da criança na proposta de revisão do Código Penal”, elaborado pelos consultores Aires do Amaral e Sandra Machatine, que foi divulgado em finais de 2011.
No seu parecer, começam por destacar quais são os fundamentos em que se deve basear a protecção e promoção dos direitos das crianças, nomeando, entre outros, a Constituição da República (2004), a Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança (Lei nº 7/2008), a Lei da Organização Tutelar de Menores (Lei nº 8/2008), e a Carta Africana dos Direitos e Bem-Estar da Criança (ratificada em 1998).
Tomando como referência os princípios fundamentais veiculados nestes instrumentos legais, o ROSC constata e recomenda, entre outros:
Regra da denúncia prévia por parte da/o ofendida/o ou seu representante legal – considerando que a maior parte dos crimes de ofensas corporais voluntárias e maus tratos são perpetrados maioritariamente pelos representantes legais das crianças e “a regra deve ser a de defesa intransigente dos direitos da criança”, propõe-se “a adopção da natureza pública de tais crimes contra a criança”.
A figura do professor – tem-se destacado na prática de crimes que atentam contra a integridade física e psíquica de crianças de ambos os sexos. Propõe-se inclui-lo, de forma clara, nos artigos 378 (ofensas corporais qualificadas pela pessoa do ofendido) e 381 (maus tratos ou sobrecarga de menores e incapazes). Em relação a este último, sugerem também que se abarque “a vertente dos maus tratos psíquicos”.
Crime de estupro – a formulação do artigo 398 na proposta de revisão, é a mesma que consta do Código Penal vigente, que faz uma flagrante discriminação entre crianças virgens maiores de 12 anos e menores de 18. Sugerem: “A manter-se o crime de estupro, haverá que retirar a virgindade como elemento tipificador e destacar essencialmente a sedução, atentos às diferentes formas da sua manifestação”.
Crime de rapto e de cárcere privado – propõem circunstâncias agravantes quando se trate de rapto de crianças.
Crime de violação – propõe-se que se passe a incluir o crime de violação contra pessoas de ambos os sexos e que se reconheça que a violação pode ocorrer também em caso de sexo oral ou anal.
Actos sexuais com menores – “O ROSC entende que a redacção do artigo 401 deve ser melhorada no sentido de proteger também a criança com mais de 12 anos de idade. (…) Tal como está redigido este artigo, permite que se possa praticar qualquer acto de natureza sexual com criança maior de 12 anos, ficando somente a hipótese de se poder tratar de um crime de atentado ao pudor”.
Assédio sexual – recomenda que se preveja a situação de assédio sexual a crianças, com agravamento da pena. Para além disso, propõe que os trabalhadores humanitários nacionais e internacionais sejam incluídos “como agentes de crimes desta natureza merecedores de sanções agravadas”.
Efeitos do casamento em crimes sexuais – “O ROSC discorda absolutamente do contido no artigo 409 do Código Penal. Trata-se de uma regra que atenta gravemente contra o que é o casamento, tal como estabelece a nossa Constituição da República”. Com efeito, este artigo preconiza que em casos de estupro ou de violação, se o agressor se casar com a vítima, embora a acção pública prossiga, a pena é suspensa. A pena caducará após 5 anos, se “não houver divórcio ou separação judicial por factos somente imputáveis ao marido”. No caso da vítima, esta disposição pode ser vista como uma revitimização, na medida em que, após a violação ou estupro, ela é constrangida a casar-se com o seu agressor, sobretudo por pressões da família, que assim vê “lavada” a sua “honra” ou que lucra com a situação.
Casamentos prematuros – O ROSC considera que “Muitas das vezes essas uniões são forçadas, obrigando meninas em idade escolar a serem companheiras e a satisfazer os apetites sexuais de homens adultos numa situação muito próxima da escravatura sexual. Outras vezes existem algumas trocas de benefícios materiais entre familiares em que o interesse superior da criança é absolutamente ignorado, porquanto a criança é mercadoria transaccionada”. Propõe que este crime seja tratado na lei penal.
Trabalho infantil – O ROSC chama à atenção para o grande número de crianças, principalmente do sexo feminino, que vêm para a cidade para virem estudar ou melhorar a sua vida, mas que acabam por ficar em situação forçada de trabalho, em condições pouco saudáveis para o seu desenvolvimento. Instam o Parlamento a enquadrar legalmente esta questão do trabalho infantil forçado, referido em várias Convenções ratificadas.
Ritos de iniciação – “O ROSC destacou a absoluta necessidade de se punir, de forma exemplar, todos aqueles que fomentem, pratiquem e apoiem a prática de ritos de iniciação durante o ano lectivo, provocando graves prejuízos às crianças e ao seu direito à educação”.
Conclui-se a análise com o seguinte comentário:
“Para o ROSC, efectuar uma revisão do Código Penal, ainda que parcial, ignorando, passando ao lado, adiando ou tratando em parte dos direitos da Criança ou da Mulher, dos Idosos ou de Pessoas Dependentes, significa não respeitar a Constituição da República de Moçambique e todos os compromissos internacionais assumidos pelo nosso Estado”.
[1] Inclui: Rede Came, Rede da Criança, SANTAC, HACI, Action Aid, UNICEF, CESC, ADDC, Save The Children, Linha Fala Criança, Parlamento Infantil, Centro Terra Viva, ANPPCAM, MEPT, ADEMO, Plan International, FDC.
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